Desafios na implementação de ônibus elétricos em São Paulo

Imagine a população de uma cidade como São Paulo ter de enfrentar apagões toda vez que as baterias da frota de ônibus elétricos forem recarregadas. É o que acontecerá caso as garagens não recebam os equipamentos necessários. Em meio à briga entre a prefeitura e a Enel para definir sobre a instalação dessa infraestrutura, os fabricantes de veículos começam a questionar a lei que desde 2022 passou a aceitar a compra apenas de veículos elétricos no município. Para a direção da Mercedes-Benz, o impasse provoca atrasos na renovação da frota e, consequentemente, resultado oposto ao do plano que pretendia tornar o ar da cidade mais puro.

O maior obstáculo no programa de eletrificação da frota paulistana surgiu há alguns meses, quando o prefeito Ricardo Nunes (MDB) questionou os valores que teriam sido cobrados pela Enel para instalar a infraestrutura de carregamento nas garagens das empresas de ônibus. A Enel Distribuição São Paulo desmentiu informações de Nunes, o que provocou o impasse.

A rede das garagens de ônibus é de baixa tensão, o que impede, por exemplo, que 50 ônibus sejam carregados de uma só vez, afirma o vice-presidente de vendas de ônibus da Mercedes-Benz do Brasil, Walter Barbosa. O executivo calcula que a mudança para alta tensão levaria, em média, de um ano e meio a dois anos.

Além disso, se tiver que assumir a conta dessa parte da infraestrutura, a prefeitura terá de fazer um novo arranjo na composição da verba destinada ao programa. Por meio de recursos obtidos com BNDES, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Caixa e Banco do Brasil, São Paulo tem R$ 5,75 bilhões para subsidiar a compra dos veículos pelas empresas.

Em 2021, a prefeitura anunciou uma meta ousada: 2,6 mil ônibus elétricos na frota até o fim do mandato. Mas os fabricantes estimam que o total não chegará a 600.

Barbosa lembra que, tradicionalmente, 10% da frota paulistana, que totaliza 13 mil veículos, era renovada anualmente. Com a obrigatoriedade de que sejam modelos elétricos num momento de impasse na infraestrutura, o ritmo tende a diminuir. “Teremos uma cidade com ônibus velhos barulhentos e poluentes rodando ao lado de outros novos, que não poluem e não fazem ruído”, diz.

Barbosa prevê a possibilidade de o plano de São Paulo ser modificado. A Mercedes defende, diz, um “mix” de tecnologias, voltado à descarbonização mesmo que, inicialmente, isso inclua o uso de combustíveis fósseis. A direção da Marcopolo concorda. “Quando a lei foi criada não se pensou nesses problemas. Deveria ter sido feito um escalonamento”, destaca James Bellini, presidente do conselho da Marcopolo. Mas em plena campanha eleitoral é difícil que a questão seja levantada por qualquer candidato a prefeito.

A indústria afirma que produzir ônibus 100% elétricos não é problema. Esse tipo de veículo é o foco da Lat.Bus, a maior feira do setor da América do Sul, aberta na terça-feira (6) em São Paulo.

O novo modelo apresentado pela Mercedes é um 100% elétrico articulado que deve chegar ao mercado em 2026. Será o segundo elétrico produzido pela companhia na fábrica em São Bernardo do Campo (SP). O primeiro já circula nas ruas de São Paulo.

Já a Volvo apresenta um biarticulado, de 28 metros de comprimento e 100% elétrico. Trata-se do primeiro da categoria em todo o mundo, segundo Anna Wasterberg, presidente global da Volvo Buses. “A eletrificação no mundo começou há alguns anos e está, de fato, acontecendo”, destaca a executiva. Ela lembra, no entanto, que na Europa esse processo acelera de acordo com os subsídios oferecidos em cada região.

Segundo Barbosa, no Brasil, São Paulo, Curitiba e Salvador são as cidades mais avançadas nesse sentido, porque “entendem a necessidade dos subsídios”. Roberto Cortes, presidente da Volkswagen Caminhões e Ônibus, lembra que um modelo elétrico custa cerca de três vezes mais que um convencional. Daí a necessidade de incentivos.

Na Lat.Bus, a Volks apresenta um 100% elétrico para 82 passageiros. O modelo foi desenvolvido e será produzido em Resende (RJ). Com 250 quilômetros de autonomia, o ônibus é fruto do aprendizado que a equipe brasileira da Volks obteve com o caminhão leve elétrico lançado há dois anos.

A Iveco também se prepara para entrar no mercado de ônibus elétricos. Um chassi-conceito está em fase de desenvolvimento. Segundo Danilo Fetzner, vice-presidente da Iveco para a América Latina, o projeto tem parceria com a WEG e a Giaffone, responsável pela montagem dos módulos de eletrificação.

A produção de ônibus elétricos também faz parte dos planos da Scania, que recentemente anunciou um novo ciclo de investimentos, de R$ 2 bilhões, para o período entre 2025 e 2028.

Para o presidente da Scania na América Latina, Christopher Podgorski, o maior desafio do setor hoje é voltar a vender os mesmos volumes do período que antecedeu a pandemia. O aumento do uso do transporte por aplicativos e o trabalho em “home office” provocaram queda da demanda pelas viagens em ônibus nas cidades.

Mas, para Achim Puchert, presidente da Mercedes-Benz na América Latina, por meio da eletrificação, o ônibus tende a ganhar relevância. “Essa será a década do ônibus, porque as novas gerações vão procurar o transporte coletivo como forma de reduzir as emissões e tornar as cidades locais melhores para se viver”, destaca.

Enquanto a maior cidade do país não resolve os problemas de infraestrutura, a indústria usa a Lat.Bus para atrair clientes para seus elétricos. Todos os executivos de vendas estão com os talões de pedidos em mãos e dizem que a produção seguirá o ritmo das encomendas.

Matéria publicada pelo Valor Econômico no dia 07/08/2024, às 05h00 (horário de Brasília)