China repensa modelo de crescimento em meio a obstáculos globais e internos

A China, 2ª maior economia do mundo, enfrenta um cenário considerado desafiador e precisa repensar seu modelo econômico para manter seu desenvolvimento e alcançar a meta de crescimento anual de cerca de 5%, traçada pelo presidente Xi Jinping.

Desde a proclamação da República Popular da China, realizada por Mao Tsé-Tung em 1º de outubro de 1949, a nação asiática registrou um desenvolvimento acelerado que, atualmente, vem recuando por causa de mudanças no comércio global.

Diversos fatores contribuíram para o fortalecimento da economia chinesa. Dentre elas as reformas econômicas promovidas por Deng Xiaoping, que sucedeu Mao, no final da década de 1970. Elas abriram o país para o investimento estrangeiro e o comércio internacional.

Segundo Vinícius Rodrigues, professor de economia e relações internacionais da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), Deng fez em um 1º momento um processo de abertura focado em zonas de exportações, algo que “privilegia esse papel da China como grande exportadora”. Mas foi só nos anos 1990 que o país se tornou “uma economia de perfil definitivamente exportador”.

Para Rodrigo Giraldelli, CEO da China Gate Importação, os chamados Planos Quinquenais, estabelecidos a partir de 1953, também são responsáveis pelo sucesso econômico chinês. Os planos estabelecem diretrizes, estratégias e políticas que visam o desenvolvimento econômico e social do país durante 5 anos. Atualmente, a China está em seu 14º Plano Quinquenal, que abrange o período de 2021 a 2025.

Outros fatores que impulsionaram o crescimento econômico chinês são: 

  • a entrada do país na OMC (Organização Mundial de Comércio), em 2001. Segundo Vinícius Rodrigues, a adesão fez com que o país ganhasse “vantagem competitiva nos mercados ao redor do mundo”;
  • investimento em outros países por meio de iniciativas como a “Belt and Road” (“nova Rota da Seda”).

Ao investir em produção e manufaturas, estabelecer acesso a mercados de outros países e adotar um modelo de crescimento econômico baseado em exportação, o país registrou expandiu a atividade econômica nos últimos 30 anos. Também consolidou-se como a 2ª maior potência mundial desde 2010.

“A questão é que esse modelo [exportador] vem se esgotando porque os outros mercados percebem que essa super oferta causada pela China está ameaçando a própria sobrevivência das indústrias nacionais dos outros países”, avalia Yi Shin Tang, professor de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo). 

Os Estados Unidos têm liderado esse movimento de fechar o mercado para as exportações da China. Em 14 de maio, o governo de Joe Biden anunciou um pacote de tarifas sobre os produtos chineses ligados à tecnologia, como veículos elétricos, semicondutores, baterias, células solares, aço e alumínio. 

Em 23 de setembro, os EUA apresentaram uma proposta para proibir a importação de hardware e software da China. Ambas as medidas foram tomadas por preocupações relacionadas à segurança econômica e práticas de concorrência desleal, que resultariam em preços mais baixos para produtos chineses e roubam fatias dos mercados globais.

A União Europeia também anunciou tarifas adicionais sobre veículos elétricos importados da China. O bloco europeu investiga os subsídios do país asiático no setor e concluiu que os carros elétricos chineses recebem “subsidiação injusta” e são importados a “preços artificialmente baixos”. Segundo a UE, a prática causa um prejuízo econômico para a indústria de carros elétricos do bloco. 

Na 3ª feira (24.set.2024), o presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, comentou sobre o caso, afirmando que as exportações de carros saltaram na China nos últimos 4 anos e que há uma “reação” de outros países em relação à investida chinesa nas exportações. 

“De uma forma geral, a gente tem visto aumento de tarifas sobre esses produtos. Então, é um problema porque a China decidiu fazer um modelo de transição de crescimento, está tentando exportar uma cesta de bens que está tendo resistência porque é muito mais estratégica para outros países”, declarou Campos Neto.

O Banco Central estimou que as sanções devem resultar em um impacto de 1 a 2,5 pontos percentuais no PIB da China. “Estamos indo para essa nova realidade de fragmentação global, com mais protecionismo que tem um efeito inflacionário. Ou seja, mais inflação, menos crescimento e menos produtividade”, disse o presidente do BC. 

NOVO MODELO ECONÔMICO

Larissa Wachholz, senior fellow de Ásia do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) e sócia da Vallya Participações, avalia que a questão ambiental também impulsionou a China a reavaliar seu “modelo de desenvolvimento econômico e se voltar para o consumo interno”.

Wachholz explica que, em culturas asiáticas, como a chinesa, há uma tendência de poupança elevada, ou seja, as pessoas preferem economizar em vez de gastar. “É preciso que as pessoas estejam muito confiantes na economia para que elas se sintam confortáveis em gastar e esse é o desafio que a China está passando no momento”, afirma.  

Segundo a especialista, a nação asiática enfrenta 2 grandes obstáculos que dificultam essa confiança: o cenário pós-pandemia, que trouxe incertezas econômicas globais; e a crise no mercado imobiliário chinês, um dos principais setores da economia chinesa.

Yi Shin Tang também avalia que a tentativa chinesa de adotar um modelo de crescimento mais voltado para o consumo interno é uma tarefa complexa. 

“Investir em mercado de consumo interno nunca foi muito o forte da China. Isso é bastante notável. Quando a gente olha a contribuição do consumo interno chinês dentro do PIB, ele é, na média, muito menor do que em países Ocidentais e nas economias da OCDE”, afirma. 

Segundo o professor, há 3 pontos para o país desenvolver seu consumo interno: 

  • desigualdade regional: enquanto grandes cidades chinesas, como Xangai e Pequim, são altamente desenvolvidas, diversas áreas rurais vivem em extrema pobreza;
  • bem-estar social: Yi afirma que o país, ao estimular um modelo de crescimento baseado no investimento, sacrificou “muito” o bem-estar social dos chineses. Isso resultou em uma população que, em média, recebe baixos salários e tem pouco poder de compra;
  • demografia: a política do filho único resultou no envelhecimento da população. Sem um contingente jovem expressivo, é difícil sustentar um mercado consumidor forte no longo prazo.

O professor da USP afirma que, além de investir no consumo interno, o país asiático também foca em “se tornar competitiva nos mercados do futuro”, como tecnologias verdes e IA (inteligência artificial). 

DEMOGRAFIA E ECONOMIA

A China tem a taxa de natalidade mais baixa do mundo desenvolvido. O país sofre com o envelhecimento da população em ritmo mais acelerado que o esperado. 

Segundo dados do Banco Mundial, a população da China aumentou em quase 1 bilhão de pessoas de 1980 até 2024. O pico anual foi em 2021, quando atingiu 1,412 bilhão de habitantes. 

Para 2024, as estimativas do Banco Mundial indicam que a população reduzirá para 1,410 bilhão. Cairá ainda mais, para 1,29 bilhão, até 2050.

O envelhecimento da população força a mudança do modelo econômico chinês, o que é observado nos últimos trimestres. Com a perspectiva de uma população menor daqui, a China terá que adaptar a fórmula de aumento do PIB. 

A participação do consumo tem menos relevância desde o 4º trimestre de 2023. Em contrapartida, a FBCF (formação bruta de capital fixo) está em alta e potencializa as exportações de itens estratégicos, como eletrificação, painéis solares e semicondutores.

INFLAÇÃO NA CHINA

O baixo consumo na economia chinesa também tem reflexos na inflação do país. Foi de 0,6% no acumulado de 12 meses até agosto. O país decidiu emitir US$ 284 bilhões em títulos soberanos para estimular o crescimento.

O PBoC (Banco Popular da China) anunciou um conjunto de medidas para estimular a economia, como a redução de juros e outras medidas para o setor imobiliário.

Matéria publicada pelo Poder 360 no dia 01/10/2024, às 05h58 (horário de Brasília)