A queda de Assad: Rebeldes sírios tomam Damasco e encerram 13 anos de guerra civil
Rebeldes sírios tomaram a capital Damasco sem resistência neste domingo, após um avanço relâmpago que levou o presidente Bashar al-Assad a fugir para a Rússia, encerrando uma guerra civil de 13 anos e seis décadas de governo autocrático de sua família.
Em um dos maiores pontos de virada para o Oriente Médio em gerações, a queda do governo de Assad eliminou um bastião de influência do Irã e da Rússia no mundo árabe. Moscou concedeu asilo a Assad e sua família, informou Mikhail Ulyanov, embaixador da Rússia para organizações internacionais em Viena, em seu canal no Telegram.
Sua repentina deposição, promovida por uma revolta parcialmente apoiada pela Turquia e com raízes no islamismo sunita jihadista, limita a capacidade do Irã de espalhar armas para seus aliados e pode custar à Rússia sua base naval no Mediterrâneo. Além disso, pode permitir que milhões de refugiados, dispersos há mais de uma década em campos na Turquia, Líbano e Jordânia, finalmente retornem para casa.
Para os sírios, o momento trouxe um fim inesperado a uma guerra congelada há anos, com centenas de milhares de mortos, cidades reduzidas a escombros e uma economia arrasada por sanções globais.
“Quantas pessoas foram deslocadas ao redor do mundo? Quantas viveram em tendas? Quantas se afogaram nos mares?”, disse o principal comandante rebelde, Abu Mohammed al-Golani, a uma enorme multidão na mesquita medieval dos Omíadas, no centro de Damasco, referindo-se aos refugiados que morreram tentando chegar à Europa.
“Uma nova história, meus irmãos, está sendo escrita em toda a região após esta grande vitória”, afirmou ele, acrescentando que, com trabalho árduo, a Síria seria “um farol para a nação islâmica”.
O estado policial de Assad – conhecido, desde que seu pai assumiu o poder nos anos 1960, como um dos mais duros do Oriente Médio, com centenas de milhares de presos políticos – dissolveu-se da noite para o dia.
Presos atordoados e eufóricos saíram das cadeias após os rebeldes explodirem suas celas. Famílias reunidas choravam de alegria. Prisioneiros recém-libertados foram filmados ao amanhecer correndo pelas ruas de Damasco, levantando os dedos das mãos para mostrar os anos que passaram presos.
“Nós derrubamos o regime!”, gritava uma voz enquanto um prisioneiro pulava de felicidade.
A organização de resgate Capacetes Brancos disse ter enviado cinco equipes de emergência para a notória prisão de Sedhaya, a fim de procurar celas subterrâneas ocultas que supostamente abrigavam detidos.
IMAGENS DE ASSAD DESFIGURADAS
Com o pôr do sol, Damasco experimentou sua primeira noite sem Assad, com ruas em sua maioria desertas, exceto por motocicletas transportando homens armados e veículos rebeldes camuflados com lama.
Alguns homens foram vistos saqueando um shopping no caminho entre a capital e a fronteira libanesa. Os numerosos postos de controle ao longo da estrada para Damasco estavam vazios. Pôsteres de Assad foram rasgados, e seus olhos desfigurados. Um caminhão militar sírio em chamas estava estacionado diagonalmente na estrada para fora da cidade.
Uma espessa coluna de fumaça negra subia do bairro de Mazzeh, onde ataques israelenses haviam atingido ramificações de segurança do estado sírio, segundo duas fontes de segurança.
Tiros esporádicos soavam, aparentemente em celebração.
Lojas e restaurantes fecharam cedo em conformidade com o toque de recolher imposto pelos rebeldes. Pouco antes do início da medida, pessoas foram vistas caminhando rapidamente para casa com pilhas de pão.
Mais cedo, os rebeldes declararam ter entrado na capital sem sinais de implantação do exército. Milhares de pessoas, em carros e a pé, reuniram-se em uma praça central de Damasco, agitando bandeiras e cantando “Liberdade”.
Pessoas foram vistas caminhando dentro do Palácio Presidencial Al-Rawda, algumas saindo carregando móveis. Uma motocicleta estava estacionada no chão de parquet intricadamente trabalhado de um salão dourado.
A coalizão rebelde síria afirmou que estava trabalhando para concluir a transferência de poder para um corpo governante de transição com poderes executivos.
“A grande revolução síria passou da fase de luta para derrubar o regime de Assad para a luta de construir, juntos, uma Síria que esteja à altura dos sacrifícios de seu povo”, afirmou a coalizão em comunicado.
Mohammad Ghazi al-Jalali, primeiro-ministro sob Assad, pediu eleições livres e afirmou ter entrado em contato com Golani para discutir o período de transição.
Golani, cujo grupo já foi o braço da Al Qaeda na Síria, mas suavizou sua imagem para tranquilizar membros de minorias e países estrangeiros, disse que não havia espaço para retrocessos.
MUNDO ÁRABE SURPRESO
A velocidade dos acontecimentos surpreendeu capitais árabes e levantou preocupações sobre mais instabilidade, em meio à guerra em Gaza.
O presidente dos EUA, Joe Biden, em um discurso televisionado, comemorou a queda de Assad, mas reconheceu que era também um momento de risco e incerteza.
“À medida que todos nos voltamos para a questão do que vem a seguir, os Estados Unidos trabalharão com nossos parceiros e as partes interessadas na Síria para ajudá-los a aproveitar a oportunidade para gerenciar os riscos”, afirmou Biden.
O Comando Central dos EUA disse ter realizado dezenas de ataques aéreos direcionados a campos e operativos conhecidos do Estado Islâmico no centro da Síria neste domingo.
Mais tarde, o secretário de Defesa Lloyd Austin disse ter conversado com o ministro da Defesa Nacional da Turquia, Yasar Guler, enfatizando que os EUA estavam observando de perto.
Apoiadores jubilosos da revolta lotaram embaixadas sírias ao redor do mundo, abaixando as bandeiras vermelhas, brancas e pretas da era Assad e substituindo-as pela bandeira verde, branca e preta usada por seus opositores.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que a queda de Assad foi graças aos golpes de Israel contra o Irã e seu aliado libanês Hezbollah, outrora peça-chave das forças de segurança de Assad.
“O estado bárbaro caiu”, afirmou o presidente francês Emmanuel Macron.
Quando as celebrações terminarem, os novos líderes da Síria enfrentarão a árdua tarefa de tentar trazer estabilidade a um país diverso que precisará de bilhões de dólares em ajuda.
Durante a guerra civil, que começou em 2011 como um levante contra Assad, suas forças e seus aliados russos bombardearam cidades até reduzi-las a escombros. A crise de refugiados pelo Oriente Médio foi uma das maiores dos tempos modernos e provocou uma reviravolta política na Europa quando um milhão de pessoas chegaram em 2015.
Nos últimos anos, a Turquia apoiou alguns rebeldes em um pequeno reduto no noroeste e ao longo de sua fronteira. Os EUA, que ainda mantêm 900 soldados no terreno, apoiaram uma aliança liderada pelos curdos que lutou contra os jihadistas do Estado Islâmico entre 2014 e 2017.
Os maiores perdedores estratégicos foram Rússia e Irã, que intervieram nos primeiros anos da guerra para resgatar Assad, ajudando-o a recuperar a maior parte do território e todas as grandes cidades. As linhas de frente estavam congeladas há quatro anos sob um acordo entre Rússia, Irã e Turquia.
Mas o foco de Moscou na guerra na Ucrânia e os golpes contra os aliados do Irã após a guerra em Gaza – particularmente a dizimação do Hezbollah por Israel nos últimos dois meses – deixaram Assad com escasso apoio.
Matéria publicada pela Reuters no dia 08/12/2024, às 20h02 (horário de Brasília)