Ameaça de demissão de Powell do Fed assusta os mercados
A nova investida do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, pegou os investidores globais de surpresa ontem e voltou a injetar uma forte dose de volatilidade nos ativos financeiros. As informações de que o líder da Casa Branca estaria disposto a demitir prontamente o “chairman” do Fed empurram para cima os juros dos treasuries (títulos do Tesouro) de longo prazo e enfraqueceram o dólar ao redor do mundo, em mais um sinal de que vêm crescendo os temores de que a independência do banco central americano esteja cada vez mais ameaçada.
Na noite de terça-feira, representantes republicanos da Câmara dos Deputados dos EUA se reuniram com Trump no Salão Oval da Casa Branca e, ali, foram indagados pelo presidente se ele deveria demitir Powell. Relatos apontam que todos concordaram. Mais tarde, a deputada republicana Anna Paulina Luna, da Flórida, publicou em rede social que Powell seria demitido. A informação, confirmada por autoridades da Casa Branca, foi noticiada por diversos veículos de imprensa no fim da manhã de ontem.
O assunto da destituição de Powell vinha ganhando força nos últimos dias, após republicanos terem passado a fazer críticas sobre um projeto de reforma da sede do Federal Reserve, que teria custo estimado em US$ 2,5 bilhões. Como a Suprema Corte dos Estados Unidos já havia alertado que a demissão de um presidente do banco central só pode ocorrer mediante ma “causa grave”, o argumento usado por políticos alinhados a Trump foi que o suposto excesso nos custos da obra seria motivo suficiente para tirar Powell do cargo.
A partir da publicação das informações sobre a reunião de Trump com deputados na imprensa, por volta do meio-dia (de Brasília), os mercados testemunharam uma forte onda de volatilidade atingir os ativos financeiros americanos. O índice DXY, que mede a força do dólar frente uma cesta de seis divisas principais, avançava 0,29%, perto das máximas do do dia, aos 98,91 pontos e, minutos depois, passou a cair 0,93%, nas mínimas, aos 97,71 pontos. O rendimento da T-bond de 30 anos, por sua vez, saltou, ao passar de 4,968% para 5,079% no mesmo intervalo.
Só foi verificado algum alívio nos mercados depois que Trump, na Casa Branca, disse que não estava planejando a demissão de Powell. “Não descarto nada, mas acho que é altamente improvável, a menos que ele tenha que sair por fraude — e é possível que haja fraude”, disse Trump. Isso, porém, não impediu que a taxa da T-bond de 30 anos encerrasse o dia ainda acima da marca dos 5%.
O diretor de investimentos e chefe de pesquisa da Pictet Wealth Management, Alexandre Tavazzi, classifica a reação dos mercados como “brutal” durante o pregão de ontem. “Vimos o S&P 500 e dólar mais fracos, taxas de 2 anos mais baixas, mas juros de 30 anos muito mais altos e uma alta de US$ 40 nos preços do ouro. Isso pode ter mudado a opinião de Trump”, aponta, em entrevista ao Valor.
O executivo nota que a independência do Fed está claramente sendo questionada no momento e que qualquer um que seja o próximo presidente do banco central estará mais próximo de Trump. “Vale apontar que o Fomc [comitê que define a política monetária] é composto por 12 membros e o presidente pode ser preterido por outros membros. De qualquer forma, os mercados já começaram a levar em consideração que o sucessor de Powell será menos independente do que ele”, enfatiza Tavazi.
Isso implica, na visão do gestor, um dólar mais fraco; ativos de proteção mais valorizados, como o ouro ou o franco suíço; e uma curva de juros dos Treasuries mais inclinada. “O spread entre os juros de 30 anos e 2 anos continua a aumentar, indicando a preocupação do mercado com as consequências de longo prazo de um Fed mais favorável a Trump em um momento de déficits crescente. Ironicamente, isso equivale a um aperto nas condições financeiras, exatamente o oposto do que Trump deseja”, afirma o executivo.
O economista-chefe para Estados Unidos da TS Lombard, Steven Blitz, avalia que Trump não parece interessado em ninguém no comando do Fed que não seja subserviente. “O Fed é uma das poucas instituições em que não há essa lealdade pura… Não parece que essa insistência em demitir Powell irá acabar até que ele deixe o comando do Fed, seja em maio ou antes disso”, afirma em entrevista ao Valor.
Blitz tem demonstrado cautela com a independência do Fed há algum tempo, especialmente pela utilização do balanço de ativos da instituição para manter Treasuries em grande escala — prática que, para ele, mistura o banco central com a política fiscal e as finanças do governo.
“Sabemos que Powell deixará o cargo, no mais tardar, até maio. Com a entrada de quem o substituir, essa pessoa representará o fim dessa era de independência dos bancos centrais que conhecemos. O Fed está voltando, em muitas maneiras, a ser o que era antes de [Paul] Volcker”, afirma.
O episódio de ontem, em sua visão, aumenta a pressão sobre os juros longos americanos. “Não se trata de substituir um presidente incompetente do Fed por alguém que será um ‘cara durão’. Estamos falando de substituir um presidente competente do Fed por alguém que vai manter as taxas de juros baixas e aumentar o risco de inflação… Tudo isso para fazer com que a economia esteja forte para que os republicanos possam levar a melhor nas eleições de meio de mandato no ano que vem. Isso deveria assustar os detentores de títulos e fazer com a que as pessoas que, por qualquer motivo, tenham de possuir títulos do Tesouro, que passem a encurtar suas carteiras”, diz Blitz.
O economista não tem ressalvas quanto aos nomes que vêm sendo ventilados para substituir Powell ao cargo. O problema, para ele, está nas concessões e promessas que os candidatos precisarão fazer a Trump para ser nomeados. Entre os principais candidatos, estão o diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, Kevin Hassett; o ex-diretor do Fed Kevin Warsh; o atual diretor do Fed Christopher Waller; e Scott Bessent, atual secretário do Tesouro.
“Se você me perguntar se essas são escolhas competentes e responsáveis para presidir o Fed, a resposta é sim. Mas, nessa circunstância, o quanto eles terão de vender sua independência para conseguir um cargo que realmente desejam? Supondo que Trump consiga que Powell vá embora antes de maio, isso abre a porta para que o próximo presidente do Fed vá embora em três meses se ele não cumprir as ordens de Trump… Não acho que qualquer um que entre no cargo virá com totais bençãos do mercado, independentemente de sua competência básica. Haverá um alto grau de ceticismo”, afirma.
Blitz também se mostra preocupado com a deterioração da institucionalidade nos EUA. Ele lembra, inclusive, o episódio em que a Casa Branca impôs sanções a escritórios de advocacia, que fizeram uma série de concessões para evitar complicações a suas atividades.
“Será que Trump pode fazer algo semelhante com os bancos? Imagine: a inflação sobe e o presidente do Fed não eleva os juros, já que está alinhado a Trump. O esperado seria que o mercado vendesse Treasuries. Ele pode fazer alguma coisa para forçar o mercado a não vender títulos do Tesouro? O presidente tem muito poder. Ele conseguirá ou vai tentar fazer com que os mercados operem da maneira que ele quer que operem? Essa pode ser a história de 2026. Considerando tudo o que vimos, não se pode descartar essa possibilidade. Onda está o limite? Quando tiver o controle sobre o Fed, ele voltará sua atenção para os mercados?”, questiona.
Na visão do economista-chefe para EUA da Mizuho Securities, Steven Ricchiuto, Trump vem tentando demitir Powell há algum tempo, e o episódio de ontem não deve ser classificado como uma surpresa. “É claro que os mercados reagiram pensando que ele tentaria fazer algo radical. Mas, no fim das contas, há algumas questões em torno disso. Uma delas é que a Suprema Corte já indico que ele não pode demitir Jerome Powell. Trump está apenas tentando exercer muita pressão sobre ele, talvez tentando fazer com que se demita. Foi uma questão de pressão”, afirma, em conversa com o Valor.
Para Ricchiuto, há um longo histórico de problemas entre o governo e o banco central, e, nesse sentido, a independência da autoridade monetária é sempre um assunto a se preocupar. “Mas o que realmente importa é quem você coloca ou não no cargo. E é preciso lembrar que é o comitê, e não apenas o presidente, é quem define os juros no país. Portanto, só porque você muda o ‘chair’ não significa que você terá a política monetária que deseja”, aponta. Na contramão de boa parte do mercado e da opinião de Trump, o economista não acha que o Fed deveria cortar os juros neste ano.
Na esteira da nova investida de Trump contra o Fed, o economista-chefe para EUA do J.P Morgan, Michael Feroli, defende os benefícios de se separar a política monetária do ciclo eleitoral. “No caso americano, o histórico sugere que interferência políticas contribuíram para políticas monetárias equivocadas no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, com consequências negativas sobre a inflação.”
Feroli, assim, defende que qualquer enfraquecimento da independência do Fed “provavelmente ampliaria os riscos de alta no cenário inflacionário, que já enfrenta pressões”. Além disso, na visão do economista, os participantes do mercado poderiam exigir prêmios de risco inflacionário maiores, o que teria o potencial de elevar os juros de longo prazo e prejudicar a atividade econômica e a posição fiscal dos EUA.
O economista-chefe para EUA do Deutsche Bank, Matthew Luzzetti, concordo, ao apontar que a demissão de Powell poderia gerar “custos significativos, sem necessariamente trazer os benefícios desejados”. Ele argumenta, em relatório enviado a clientes, que uma remoção de Powell do cargo seria contraproducente, já que os custos de financiamento do gover no poderiam aumentar, com uma elevação dos rendimentos dos Treasuries impulsionada por um salto das expectativas de inflação de longo prazo e por um aumento dos prêmios de risco associados à inflação e à dúvida sobre a independência do Fed.
“A independência do banco central é um pilar fundamental para a estabilidade de preços. Com a inflação ainda acima da meta do Fed e uma tendência de alta adicional por conta das tarifas, a remoção de Powell e um eventual enfraquecimento da autonomia da autoridade monetária representariam riscos significativos para a estabilidade de preços nos EUA”, enfatiza Luzetti.
Matéria publicada no Valor, no dia 17/07/2025, às 05:01 (horário de Brasília)