Ameaça comercial de Trump ao Brasil dá a críticos de tarifas nova munição legal
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou o Brasil com tarifas de 50% neste mês, expressando sua raiva em relação ao processo jurídico enfrentado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, mas a medida pode fornecer munição para os autores de ações judiciais que visam derrubar a peça central da agenda tarifária da Casa Branca.
Especialistas em direito comercial e autores de uma ação judicial federal contra as tarifas abrangentes de Trump, que são respaldadas pela Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA) de 1977, afirmam que a explosão do presidente contra o Brasil é outro exemplo primordial de que ele excedeu em muita qualquer autoridade legal para cobrar tarifas.
“Isso mostra que o presidente realmente acha que tem poder irrestrito para cobrar tarifas. Isso é um grande problema para nossos clientes, mas também é um grande problema para o Estado de Direito”, disse Jeffrey Schwab, conselheiro sênior e diretor interino de litígios da organização sem fins lucrativos Liberty Justice Center.
Schwab está representando cinco pequenas empresas que venceram a primeira rodada de uma contestação legal ao uso da IEEPA por Trump para impor tarifas “recíprocas” e relacionadas ao fentanil a quase todos os parceiros comerciais dos EUA.
Schwab disse que espera que as ameaças de tarifas dos EUA sobre o Brasil sejam discutidas durante os argumentos orais perante o Tribunal de Apelações dos EUA para o Circuito Federal em Washington na quinta-feira.
O Tribunal de Comércio Internacional, com sede em Nova York, concluiu em maio que Trump excedeu sua autoridade legal ao usar a IEEPA, mas o tribunal de recursos permitiu que as tarifas permanecessem em vigor enquanto o caso se desenrola – provavelmente até a Suprema Corte dos EUA.
A decisão, se mantida, pode abrir um buraco na ofensiva tarifária de Trump, que até agora conseguiu concessões de vários parceiros comerciais importantes, incluindo o Japão, a União Europeia, a Indonésia, o Vietnã e o Reino Unido. A Coreia do Sul, o Canadá e o México estão correndo para negociar acordos com Trump a fim de evitar aumentos acentuados de tarifas na próxima sexta-feira.
“ESSE ABSURDO DO BRASIL”
A tarifa de 50% que seria aplicada ao Brasil em 1º de agosto é a maior taxa “recíproca” anunciada por Trump, igualada apenas pelo pequeno Lesoto. O Brasil espera negociar um acordo para reduzir as tarifas, mas reconheceu que isso pode não acontecer antes do prazo, já que Trump se concentra em parceiros comerciais maiores.
Os riscos são altos para o Brasil porque os EUA são o segundo maior parceiro comercial do país, depois da China.
Trump anunciou as tarifas sobre o Brasil após uma semana de disputa pública com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que derrotou Bolsonaro por pouco na eleição de 2022.
Uma semana após a posse de Lula, apoiadores de Bolsonaro invadiram prédios do governo em Brasília em um suposto complô para reintegrar o ex-militar à Presidência. Bolsonaro está atualmente sendo julgado em conexão com a suposta tentativa de golpe e foi forçado a usar uma tornozeleira eletrônica. Ele nega todas as acusações.
Em uma carta de 9 de julho a Lula anunciando as tarifas, Trump disse que o julgamento era uma “caça às bruxas que deveria terminar IMEDIATAMENTE!” O presidente dos EUA citou os “ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e aos direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos” e as “ordens ilegais de censura” nas plataformas de mídia social dos EUA.
A carta não especificou se as tarifas seriam impostas sob a emergência nacional IEEPA que Trump declarou sobre o grande e crescente déficit comercial global dos EUA.
Trump não emitiu uma proclamação executiva formal e um porta-voz da Casa Branca não respondeu a um pedido de comentário sobre o assunto.
Mas a carta continha uma linguagem idêntica às cartas tarifárias emitidas para outros países, explicando que as taxas de importação eram necessárias para corrigir “déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos”.
Os EUA têm tido superávits consistentes no comércio de mercadorias com o Brasil desde 2008, com um superávit de US$6,8 bilhões em 2024. O Brasil foi inicialmente sujeito a uma tarifa de 10% como parte do anúncio de tarifas do “Dia da Liberação” de Trump no início de abril.
“Para mim, o ponto principal é que, sim, acredito que os autores da ação podem e vão usar esse absurdo do Brasil como prova adicional de que essas tarifas estão sendo impostas por capricho absoluto do presidente”, disse Jennifer Hillman, professora de Direito Comercial do Georgetown University Law Center.
As tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros “não têm relação com uma emergência nacional nos Estados Unidos”, disse Hillman. “Elas não têm nada a ver com um déficit comercial.”
Daniel Esty, professor da Yale Law School, disse que mesmo que seja possível argumentar que os déficits comerciais são uma emergência nacional nos termos da IEEPA, as tarifas de Trump para punir o Brasil por agir contra um ex-presidente não são legais.
“Isso está tão claramente fora dos limites da lei que chega a ser chocante”, acrescentou Esty.
Hillman atuou como advogada de um grupo de 191 parlamentares democratas que entraram com uma petição de amicus no caso de apelação, argumentando, entre outras coisas, que o Congresso nunca pretendeu que a IEEPA delegasse autoridade tarifária ao presidente, pois havia outras leis em vigor para lidar com isso.
A Corte de Comércio Internacional seguiu esse raciocínio e concluiu que as tarifas relacionadas ao fentanil cobradas da China, do Canadá e do México não conseguiram lidar com uma emergência nacional da IEEPA que Trump declarou sobre o opioide mortal.
Alternativas mais duradouras
Em sua carta a Lula, Trump também ordenou uma investigação da Seção 301 sobre práticas comerciais desleais nas barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil, inclusive no comércio digital. O advogado-geral da União, Jorge Messias, disse na semana passada que acredita que Trump lançou a investigação porque o caso das tarifas da IEEPA é fraco.
Daniel Cannistra, sócio do escritório de advocacia Crowell & Moring, disse que há um consenso crescente entre os advogados de comércio de Washington de que as tarifas baseadas na IEEPA correm um risco significativo de serem derrubadas. Mas esse processo pode levar meses, dando tempo para que o governo Trump as utilize para aplicar o máximo de pressão sobre os parceiros comerciais.
Ao mesmo tempo, o governo está buscando tarifas de acordo com leis comerciais bem estabelecidas, inclusive sob a Seção 301 e por meio de tarifas setoriais sobre automóveis, aço, alumínio e cobre, de acordo com a Lei Comercial de Segurança Nacional Seção 232. Outras tarifas sobre produtos farmacêuticos, semicondutores e madeira estão em processo de aplicação.
Para alguns dos maiores parceiros comerciais dos EUA, incluindo o Japão, o alívio dessas tarifas — especialmente a proibitiva tarifa automotiva de 27,5% — pode ser um motivador maior para fazer concessões comerciais que continuariam independentemente das decisões da IEEPA.
“Ao ameaçar tarifas mais sólidas do ponto de vista legal, o governo pode continuar negociando com pouca atenção à legalidade das tarifas da IEEPA”, disse Cannistra.
Matéria publicada no portal InfoMoney, no dia 30/07/2025, às 08:39 (horário de Brasília)