ANP rejeita pedido do Sindicom para suspender a mistura de biodiesel
A diretoria colegiada da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) rejeitou, nesta quinta (27/3), o pedido do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom) de suspender a mistura do biodiesel ao diesel.
A decisão também inclui a proibição da comercialização do biocombustível entre distribuidoras (congêneres) e determina a publicação de dados relativos à comercialização de biodiesel, com a discriminação do distribuidor e produtor, de cada fluxo do produto.
O precesso foi coordenado pela Superintendência de Distribuição e Logística (SDL), e também foram consultadas a Superintendência de Fiscalização do Abastecimento (SFI), a Superintendência de Defesa da Concorrência (SDC), a Superintendência de Biocombustíveis e Qualidade dos Produtos (SBQ) e a Superintendência de Produção de Combustíveis (SPC).
O pedido do Sindicom foi feito sob o pretexto de um aumento de fraudes no setor, em um momento de maior disparidade de preços entre o diesel e o biodiesel, com elevação do percentual. Isso amplia vantagens concorrenciais indevidas por agentes que não cumprem o mandato.
O relator do processo, Fernando Moura, considerou que a suspensão, se aprovada, afetaria toda a indústria e ensejaria em maior importação de diesel. Citou que o setor precisa de previsibilidade e que há sete plantas para entrar em operação até 2026, além de outras oito em fase de ampliação.
Para substituir a mistura obrigatória de 14%, sem riscos de abastecimento, seria preciso elevar a oferta de diesel em mais de 2 bilhões de litros, sob o risco de gargalos na infraestrutura de importação.
“Se fosse a zero, como solicitado, seria necessário aumentar a oferta de diesel A para substituir o volume de biodiesel não adicionado. Refinarias brasileiras não tem ofertado a quantidade suficiente de diesel A, mesmo com a mistura. A importação supre um quarto das vendas nacionais e seria necessário um aumento da importação, nesses três meses, 60% maior do que o mesmo período de 2024”, explicou Moura.
Cadeia de suprimentos
O coordenador dos estudos do processo, Diogo Valério, da SDL, afirmou que a análise inicial se deu sobre a logística, dada a necessidade brasileira de imoprtação de diesel. A projeção, segundo ele, seria de um crescimento entre 17% e 18% de todo o volume nacionalizado em 2024. Isso representaria entre 2.400 mil e 2.500 mil m³ de biodiesel a ser substituído.
“Hoje, nós concentramos em cinco estados grande parte das nossas importações. Além disso, tem um outro problema, que é o suprimento de matéria prima. A SDL já aprovou licenças de importação de 143 mil m³ de volume de metanol, que seria utilizado nessa produção. Ao parar a produção de biodiesel, a gente também acaba paralisando toda essa matéria prima que hoje se encontra em navios vindo para cá ou já em terminais”, afirmou Valério.
Venda entre congêneres
Quanto à vedação da comercialização entre congêneres, a medida valerá de 1º de maio a 31 de dezembro de 2025. Esse tipo de transação representa 4,3% das operações e no ano passado representou 384 milhões de litros comercializados entre distribuidores.
Segundo a agência, cinco distribuidores que adotavam essa prática já foram impedidas de operar. No total, 16 empresas venderam mais para congêneres do que compraram do produtor.
O diretor Daniel Maia, ao seguir o voto do relator, chamou a atenção para casos em que as empresas vendem entre si quantidade maior do que adquirem de biodiesel.
“Há empresa que, em 2024, não cumpriu a meta de 14% de mistura, mesmo tendo adquirido volume de biodiesel superior ao que era necessário para cumprir essa meta. Ela adquire mais do que precisa, mas vende para outro. Daí a necessidade de aprofundar essas questões. Esses casos se dão em 4,3% das operações. É pouco utilizado, mas mesmo assim o que foi apurado justifica a suspensão sobre esse pouco e, portanto, não traz um risco ao abastecimento”, afirmou Maia.
Júlio Nishida, da SFI, apresentou dados que mostram a prática de “estoques virtuais” pelas distribuidoras que descumprem a mistura. Segundo Nishida, há grandes divergências entre movimentações e estoques declarados, bem como a incompatibilidade dos estoques com a capacidade física de armazenamento.
A suspeita é de que haja a compra de notas sem produtos – prática fraudulenta conhecida como bionota – e a simulação de venda entre congêneres.
Na fraude, empresas mandam o caminhão para o posto ou para um TRR com duas notas fiscais.
Em uma nota, é informada a transferência entre bases ou venda para outra distribuidora de diesel A (sem o biocombustível). Outra nota é emitida como carga de diesel B para o cliente final, de modo que, em uma eventual fiscalização, seria apresentada a nota do diesel puro, que está sendo transferido.
O que pedia o Sindicom
O Sindicom solicitou a revogação de 100% da mistura de biodiesel pelo prazo de 90 dias. Justificativa da entidade é ampliar a fiscalização da mistura para o consumidor e evitar a participação de empresas que não cumprem todas as regras do setor.
O Sindicom estima que a fraude da composição do diesel garante ganhos de pelo menos R$ 0,22 centavos por litro comercializado e, além da distribuição, atinge outros elos da cadeia de combustíveis como a revenda (postos de gasolina) e o Transportador Revendedor Retalhista (TRR), que vende combustível à granel para grandes clientes.
Fraude cresce com o mandato
A apresentação de Júlio Nishida também trouxe um comparativo dos casos de inconformidade da mistura de biodiesel quando comparado aos períodos de aumento da mistura, sobretudo nos anos de 2023 – quando saiu de 10% para 12% – e de 2024, quando foi alterada de 12% para 14%.
“Em novembro e dezembro, quando da suspensão do PMQC [Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis], a gente observou um retorno acentuado [da conformidade] abaixo da média histórica”, concluiu Nishida.
Segundo o superintendente da SFI, a ANP e a fiscalização do abastecimento, junto com outras áreas do downstream, realizaram uma série de ações que resultaram em um retorno gradual, num segundo movimento de retomada, para um índice de conformidade em patamares históricos.
Ano passado, 239 operações resultaram em autuações por descumprimento da mistura obrigatória, frente a 167 no ano anterior; e 85 em 2022.
Os números demonstram um número crescente de agentes, entre postos, bases de distribuidoras e de TRRs (transportadores), onde fiscais da ANP encontraram diesel com teor de biodiesel fora da norma. Foram 68 em 2020, 144 em 2023, e 202 em 2024
Os dados públicos da agência indicam que o aumento não se dá por aumento nas ações de fiscalização, mas, de fato, por uma maior predominância dos casos, que vêm crescendo desde 2022, época em que vigorava a mistura de 10%.
Matéria publicada na agência Eixos, no dia 27/03/2025, às 17:38 (horário de Brasília)