Barreiras contra biocombustíveis mobilizam Brics
Como presidente rotativo do G20 em 2024, o Brasil conseguiu colocar os holofotes sobre o uso de elevados padrões de sustentabilidade para impor barreiras aos biocombustíveis de culturas agrícolas como soja e palma, que enfrentam resistência no mercado europeu, principalmente.
O tema perdeu um pouco de força na declaração final do bloco de países ricos, do qual fazem parte países europeus e a própria União Europeia, mas está de volta agora com o Brasil à frente do Brics e perspectivas diferentes sentadas à mesa de negociações.
“A nossa visão é de que só conseguiremos transitar para longe dos recursos de petróleo e gás, na medida em que tivermos substitutos capazes de entregar o que esses produtos entregam. E aí tem uma longa avenida de desenvolvimento tecnológico, de mercado e uma série de coisas que a gente precisa estruturar para viabilizar”, observa Mariana Espécie, assessora especial do Ministério de Minas e Energia (MME).
A segunda Reunião de Energia do Brics ocorreu na última semana em Brasília, para aprovar a agenda de trabalho proposta pela presidência brasileira.
Ao conversar com jornalistas no final do encontro, na sexta (21/3), Espécie citou o exemplo de Brasil, Indonésia e Índia, grandes produtores de biocombustíveis, que têm potencial para liderar o fornecimento de combustíveis sustentáveis para aviação e transporte marítimo – um mercado cujas projeções indicam demanda aquecida e oferta escassa.
“Quando pensamos nos países que têm um potencial de biocombustíveis dentro desse grupo e todas as barreiras que enfrentamos, por exemplo, no contexto de comércio internacional (…), precisamos literalmente estar falando a mesma língua”.
Segundo a assessora, há uma “ressonância de perspectiva” em relação ao tema dos biocombustíveis, assim como do hidrogênio.
“Está muito claro para muitos países que a gente não pode usar questões relacionadas a essas novas tecnologias associadas à agenda de clima como barreiras para o desenvolvimento. Porque se você cria critérios e premissas muito de alto padrão, você vai dificultar os países em desenvolvimento para atingirem aqueles patamares e isso, muitas vezes, ao invés de ser um indutor do desenvolvimento, é um entrave”, explica.
A discussão ocorre em meio a uma conjuntura internacional de incertezas: recordes de aumento de temperatura, guerra comercial de Donald Trump contra o resto do mundo, Europa flexibilizando agenda ambiental, além de inflação e desaceleração nos investimentos em indústrias emergentes, como a do hidrogênio.
“Estamos entrando num momento onde muitas coisas estão sendo negociadas no contexto internacional, multilateral, em relação a esses temas. Quanto mais a gente trouxer essas questões nos mais variados fóruns, mais positivo tende a ser essa construção”, avalia.
Definição de combustíveis sustentáveis
A agenda de energia vai trabalhar em dois estudos com temas elencados pela presidência brasileira como importantes para os membros do Brics: acesso a serviços energéticos e combustíveis sustentáveis.
Os documentos devem trazer experiências dos membros do bloco nessas áreas.
Durante a reunião em Brasília, o governo brasileiro apresentou sua experiência no desenvolvimento do mercado de biocombustíveis e os recém aprovados marcos legais para hidrogênio de baixo carbono e combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, em inglês).
Segundo Espécie, ainda há um extenso debate a ser feito em torno do que são combustíveis sustentáveis, com possibilidade de gerar riquezas para os membros, com produção e exportação.
“Uma das questões existenciais em relação a esse tema é: o que são combustíveis sustentáveis? Que tecnologias vamos considerar nesse rol? O que é particularmente desafiador nesse grupo de países do Brics é que muitos deles têm uma relação de dependência muito grande com combustíveis fósseis”, comenta a assessora.
“Considerando os recursos energéticos que seus territórios são capazes de oferecer e, obviamente, abrir essas novas fontes de discussão é um grande desafio de perspectivas”.
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Roadmap para transições justas e inclusivas
A cada cinco anos, o Brics atualiza o seu roadmap indicando as prioridades de trabalho na área de energia. A atualização deste ano coincide com a chegada de novos membros – quando fundado, em 2009, o grupo reuniu quatro países (África do Sul entrou em 2011) com semelhanças marcantes em termos de territórios e populações grandes.
Com a expansão do bloco, aumenta a diversidade e também o desafio.
“No debate, por exemplo, do acesso a serviços energéticos, ganha uma nova riqueza de perspectiva quando se pensa em um país como a Indonésia, que são milhares de ilhas. Um tipo de desafio é levar luz ao meio da floresta amazônica, que não é um desafio pequeno. Outro desafio é levar serviços energéticos e eletricidade para milhares de ilhas, que também possuem floresta”, explica o diretor do Departamento de Energia do Itamaraty, João Marcos Paes Leme.
“Estamos propondo que um plano de fundo para o novo roadmap seja justamente a ideia de transições justas e inclusivas, algo que nós discutimos nos eventos da presidência brasileira do G20 no ano passado, quando aprovamos um conjunto de princípios”, completa.
Segundo o embaixador, o roadmap pode jogar “um pouco mais de luz” sobre as novas circunstâncias que o mundo tem vivido diante da aceleração das mudanças climáticas – o que muda também as formas de produção e consumo de energia.
Matéria publicada na agência Eixos, no dia 24/03/2025, às 18:33 (horário de Brasília)