BC retoma aperto nos juros na contramão de flexibilização nos EUA

No sentido inverso ao do início da flexibilização monetária nos Estados Unidos, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) elevou a taxa básica de juros, a Selic, pela primeira vez desde agosto de 2022, aumentando o patamar de 10,50% para 10,75% ao ano. O colegiado não fez indicações para os próximos passos, mas destacou que o ritmo de ajustes futuros e o ciclo vão depender da dinâmica da inflação, pontuando, “em especial”, os componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária. A decisão foi unânime.

O documento também menciona a evolução das projeções e expectativas de inflação, do hiato do produto (medida de ociosidade da economia) e do balanço de riscos como fatores a ser considerados. O Copom vinha de duas reuniões seguidas de manutenção do patamar de juros, que foi antecedido por um ciclo de redução que levou a Selic de 13,75% a 10,50% ao ano. Foi a primeira alta da Selic ocorrida no governo Lula 3.

Também nesta quarta-feira (18), o Federal Reserve (Fed, banco central americano) fez o movimento contrário ao brasileiro e reduziu os juros pela primeira vez desde 2020. A mudança amplia o diferencial de juros entre Brasil e os EUA, com impacto potencial no câmbio do real e no custo de captação das empresas brasileiras no exterior.

O mercado local reagiu ao corte de 0,5 ponto percentual pelo Fed, que levou a taxa para a faixa entre 4,75% e 5%, com queda nos juros futuros e no dólar ante o real. No entanto, o discurso considerado mais cauteloso do presidente do BC americano, Jerome Powell, reduziu a magnitude do impacto nos ativos.

A questão da política monetária nos EUA foi citada pelo Copom. A avaliação é que o ambiente externo continua desafiador “em função do momento de inflexão do ciclo econômico nos Estados Unidos, o que suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed”.

No tema da atividade, o Copom alterou sua percepção sobre o chamado hiato do produto. Na última reunião, em julho, a avaliação era que o hiato estava próximo à neutralidade. Já no comunicado desta quarta-feira, o colegiado apontou que o dinamismo “maior do que o esperado” da atividade e do mercado de trabalho levaram a medida ao campo positivo, indicando que a economia está aquecida acima do potencial, o que pode ter impactos inflacionários.

O último Relatório de Inflação publicado pelo Banco Central, em junho, já revisava para cima o hiato do produto. De 0,6% negativo no primeiro e segundo trimestres deste ano, passou para em torno de 0,1% e 0%, respectivamente. Já para o último trimestre deste ano, passou de –0,6% para –0,4%. O documento explica que a revisão refletia “as significativas surpresas na atividade econômica”. A terceira edição do relatório neste ano será publicada na próxima semana.

No segundo trimestre, o IBGE registrou crescimento do PIB de 1,4%. Já a taxa de desemprego ficou em 6,8% no trimestre encerrado em julho, a menor para o período da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE. A mediana das projeções do Focus para o PIB vem se elevando nas últimas semanas e chegou a 2,96%. Já o Ministério da Fazenda elevou suas projeções de 2,5% para 3,2%.

Outro ponto modificado da reunião de julho para a desta quarta-feira foi o balanço de riscos da inflação, que passou a ser visto com uma “assimetria altista”, com riscos maiores para alta do que para baixa da inflação futura. A ata de julho mostrava “fatores em ambas as direções” e destacava que vários membros do colegiado já enfatizavam uma assimetria no balanço.

Os fatores em si foram mantidos. Os três de alta são o risco de desancoragem das expectativas por período mais prolongado, maior resiliência na inflação de serviços por conta do hiato do produto mais apertado e “uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada”.

Pelo lado de baixa, o Copom destacou a possibilidade de uma desaceleração da atividade global mais forte do que a projetada e impactos mais contundentes do aperto monetário global. No cenário de inflação brasileiro, as projeções de inflação subiram desde a última reunião nos três cenários do Copom — 2024, 2025 e primeiro trimestre de 2026. Para este ano, foi elevado de 4,2% para 4,3%; para 2025, de 3,6% para 3,7%; e para o primeiro trimestre de 2026, considerado o horizonte relevante, passou de 3,4% para 3,5%.

Nesse sentido, o colegiado deixou de avaliar que a “desinflação medida pelo IPCA cheio tem arrefecido”, como constava no comunicado de julho. No documento desta quarta-feira, o Copom apenas disse que a inflação, também medida pelo IPCA cheio, assim como as medidas de inflação subjacente “se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes”.

O IPCA acumulado em 12 meses em agosto ficou em 4,24%. A meta é de 3% com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo. A mediana das projeções coletadas pelo relatório Focus vem continuamente subindo nas últimas semanas. No último boletim, ficou em 4,35% neste ano; 3,95%, em 2025; e 3,61%, em 2026.

O Copom manteve sua avaliação sobre o cenário fiscal. O comunicado destacou que acompanha “com atenção” como o desenvolvimento da política fiscal impacta a monetária e os ativos financeiros. Dessa forma, ainda pontuou que a percepção dos agentes econômicos tem impactos nos preços de ativos e expectativas. “O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”.

Após a decisão, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que não foi surpreendido e que comentaria após ler a ata. Já sobre o Fed, Haddad disse que a redução veio um pouco atrasada, mas dará alívio doméstico para o Brasil.

Matéria publicada pelo Valor Econômico no dia 18/09/2024, às 18h41 (horário de Brasília)