COP29 inicia com polêmica sobre combustíveis fósseis e apelo por ação climática

No primeiro dia do segmento de alto nível da COP29 — quando chefes de Estado, ministros e outros líderes mundiais fazem seus discursos —, o anfitrião da conferência climática afirmou que combustíveis fósseis são um “presente de Deus”. “O petróleo, o gás, o vento, o sol, o ouro, a prata, o cobre, todos (…) são recursos naturais e não se deve culpar os países por tê-los, nem por levar esses recursos ao mercado, porque o mercado precisa deles”, disse o presidente Azerbaijão, Ilham Aliyev.

Os hidrocarbonetos são os principais responsáveis pelo aquecimento do planeta, e o objetivo maior do Acordo de Paris é limitar o aumento de temperatura até o fim do século, o que exige um corte substancial desses recursos. Um relatório que será lançado hoje mostra que o mundo está na direção oposta: 2024 atingiu níveis recordes de emissão por combustíveis fósseis (leia mais abaixo).

A participação de líderes continua hoje, quando discursarão o vice-presidente brasileiro, Geraldo Alckmin, e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Lima. No total, cerca de 75 representantes do alto escalão dos países que participam da cúpula climática são esperados em Baku. A COP29 é marcada pela ausência de governantes como Luiz Inácio Lula da Silva, Emmanuel Macron (França), Olaf Scholz (Alemanha) e Narendra Modi (Índia).

Fundo

No segundo dia da chamada “COP do financiamento”, que definirá novas fontes de recursos para que países em desenvolvimento possam cumprir suas metas de redução dos gases de efeito estufa, foi lançado o fundo para perdas e danos, aprovado no ano passado. O objetivo é ajudar na reconstrução das nações que mais sofrem os impactos das mudanças climáticas, como inundações, furacões e outros fenômenos extremos.

Embora seja um progresso, o valor que os países ricos destinarão de imediato ao mecanismo — US$ 722 milhões (R$ 4,16 bilhões) — foi considerado ínfimo pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). “O valor não chega nem perto de reparar os danos infligidos aos vulneráveis e equivale aproximadamente à renda anual dos dez jogadores de futebol mais bem pagos do mundo”, disse António Guterres. Para exemplificar, o líder da ONU afirmou que o montante não representa “nem um quarto dos danos causados no Vietnã pelo furacão Yagi, em setembro”.

Estimativas sugerem que os países em desenvolvimento precisam de mais de US$ 400 bilhões (R$ 2,3 trilhões anuais) para se reconstruírem depois de desastres climáticos. Há três décadas representantes das nações vulneráveis lutam pela criação do fundo de perdas e danos.

Segundo a discursar, António Guterres insistiu que os líderes devem tomar medidas imediatas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e “derrubar os muros ao financiamento climático em resposta à ‘aula magna de destruição climática’ que o mundo testemunhou em 2024”. O secretário-geral da ONU também afirmou que os países em desenvolvimento não podem sair de Bakur “com as mãos abanando”.

“Essa é uma história de injustiça evitável: os ricos causam o problema, os pobres pagam o preço mais alto”, afirmou Guterres, citando um estudo da organização da sociedade civil Oxfam, segundo o qual multimilionários emitem mais carbono em uma hora e meia do que uma pessoa média faz durante toda a vida. “Paguem ou a humanidade toda pagará.”

Emissões

Hoje, enquanto mais líderes discursam no segmento de Alto Nível da COP29, o Projeto Carbono Global (GPC), formado por mais de 80 instituições mundiais, anuncia que as emissões de carbono provenientes de combustíveis fósseis atingiram um nível recorde em 2024. A projeção é de que 37,4 bilhões de CO2 foram parar na atmosfera, provenientes da queima de gás, petróleo e carvão, um aumento de 0,8% em relação ao ano anterior.

O levantamento destaca que, globalmente, houve aumento das emissões por carvão (0,2%), petróleo (0,9%) e gás (2,4%). Essas fontes contribuem com 41%, 32% e 21% do CO2 fóssil, respectivamente. A China, responsável por 32% da queima de hidrocarbonetos em 2024, registrou um crescimento de 0,2%. O país com maior evolução na poluição por combustível fóssil é a Índia (8% do total global), com um incremento de 4,6%.

Porém, as emissões de CO2 fóssil diminuíram em 22 países, que representaram 23% do lançamento de gases de efeito estufa por essas fontes entre 2014 e 2023. Neste grupo, estão incluídos os Estados Unidos (13% do total global), que teve queda de 0,6%. Os dados do Brasil são de 2023 e mostram um ligeiro aumento em relação ao ano anterior, com 486,5 milhões de toneladas métricas.

Coletivo

“Há muitos sinais de progresso positivo ao nível nacional e um sentimento de que um pico no consumo global de combustíveis fósseis é iminente, embora ainda indefinido”, comenta Glen Peteres, do Centro Cícero para Pesquisa Climática Internacional em Oslo, na Noruega e um dos autores do estudo. “A ação climática é um problema coletivo. O progresso em todos os países precisa de ser acelerado o suficiente para colocar as emissões globais em uma trajetória descendente.”

O estudo também traz projeções das emissões por mudanças no uso da terra, como desmatamento. O aumento estimado é de 1,6 bilhões de toneladas (41,6 bilhões de toneladas em 2024, contra 40,6 bilhões de toneladas em 2023). Os incêndios que devastaram a flora brasileira entre janeiro e setembro lançaram entre 0,8 e 1,2 gigatoneladas de CO2. Ao lado de Indonésia e República Democrática do Congo, o país é responsável por 60% dos lançamentos de CO2 por essa fonte de emissões.

Duas perguntas para André Ferretti, gerente sênior de Economia e Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário

Com base no cenário das emissões apontado pelo Projeto Carbono Global, ainda é possível lutar pela meta de restringir o aumento da temperatura a 1,5ºC até 2100?

O relatório aponta que temos pouco tempo para reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa, se ainda quisermos manter essa meta. Todo o carbono já emitido nas últimas décadas tem gerado impactos e permanece ativo, gerando aquecimento do planeta por muito tempo, porque esses gases, em média, persistem por um século na atmosfera.  Então, nós precisamos reduzir bastante as emissões, e o prazo para isso é agora. 

As queimadas puxaram as emissões do Brasil por mudanças no uso da terra. Isso pode impactar financiamentos para o país? 

Os dados de emissões brasileiras apresentados recentemente pelo sistema de estimativa do Observatório do Clima revelam que, no último ano, o Brasil reduziu em cerca de 12% as suas emissões em relação a 2022. Isso significa 300 milhões de toneladas de carbono a menos, principalmente por conta da queda do desmatamento na Amazônia. Então, a emissão total do Brasil em 2023 foi 2,3 bilhões de toneladas de CO2 equivalente. Desses, cerca de 45% das emissões vêm de desmatamento e queimadas; isso ainda é uma parcela gigantesca. Mas, apesar de termos tido muitos incêndios, o país conseguiu reduzir significativamente as emissões por desmatamento na Amazônia, cerca de 36% em relação a 2022. Isso nos dá uma um certo alívio e nos coloca numa situação ainda razoável para apoios de financiamento. 

Mudanças climáticas afetam a saúde das crianças

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) alertaram ontem que as mudanças climáticas têm um impacto significativo no bem-estar das crianças. Em uma coletiva de imprensa em Baku, sede da COP29, Abheet Solomon, consultor sênior da Unicef, afirmou que “as mudanças climáticas não estão apenas mudando o planeta, mas estão mudando as crianças”. 

Calor extremo, seca, tempestade, incêndios florestais e poluição do ar estão diretamente associados a complicações na gravidez, problemas no nascimento, subnutrição infantil e no desenvolvimento do cérebro, disse Solomon. “Repito essa ladainha porque é importante enfatizar que já estamos vendo os impactos na saúde das crianças. A ação climática deve proteger o futuro da humanidade e dos seus filhos e, portanto, estaremos falhando com as crianças se não cumprirmos a promessa de 1,5°C.”

Maria Neira, diretora do Departamento de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Saúde da OMS, destacou que o organismo da ONU está presente na agenda oficial da COP para “garantir que todos os negociadores estejam cientes de que, quando estão negociando emissões, estão negociando com a nossa saúde.” Neira destacou que a poluição do ar causada pela queima de combustíveis fósseis mata 7 milhões de pessoas por ano. 

Ações

Produzido com a equipe da The Lancet Countdown, um relatório sobre alterações climáticas e saúde afirma que cinco ações de combate às mudanças climáticas podem salvar 2 milhões de vida por ano — a principal dela é a eliminação progressiva de subsídios aos combustíveis fósseis. A tributação dos hidrocarbonetos evitaria 1,2 milhão de mortes anuais, diz o documento. 

Além disso, os cientistas recomendam a instalação de sistemas de alerta de ondas de calor, abandono do uso de combustíveis fósseis em instalações de saúde e casas, e proteção da água potável e do saneamento. (PO)

Matéria publicada pelo Correio Braziliense no dia 13/11/2024, às 06h00 (horário de Brasília)