Desvalorização do Real atinge 11,4% em 2024 e entra no Top 5 global

O real está entre as cinco moedas que mais perderam valor frente ao dólar em 2024. É o que mostra um levantamento feito pela agência classificadora de risco Austin Rating, com base em dados do Banco Central do Brasil (BC).

A moeda brasileira ultrapassou a da Argentina e a do Japão em poucos dias e saltou da 7ª para a 5ª colocação entre as que mais se desvalorizaram em um ranking de 118 países. A queda acumulada do real no ano chegou a 11,4% nesta quarta-feira (19).

Na máxima do dia, o dólar comercial chegou a R$ 5,48. Para a elaboração do ranking, entretanto, a Austin Rating considerou as taxas de câmbio de referência Ptax, divulgadas diariamente pelo BC. Nessa modalidade, o dólar encerrou esta quarta-feira cotado a R$ 5,46.

Entre os motivos para a disparada do dólar, estão a expectativa sobre a taxa básica de juros dos Estados Unidos, os resultados da balança comercial brasileira e as preocupações em relação ao quadro fiscal do país. (entenda mais abaixo)

Também está no radar do mercado a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), nesta quarta-feira, sobre a taxa básica de juros do Brasil. Segundo projeção de analistas, o colegiado deve interromper o ciclo de cortes da Selic, que vem ocorrendo desde agosto de 2023.

O levantamento feito pela Austin Rating mostra que a moeda nigeriana é a que mais se desvalorizou frente à moeda norte-americana em 2024, com perdas de 41,3%. Na sequência, estão as moedas do Egito e do Sudão do Sul, com quedas de 35,2% e 29,9%, respectivamente.

Ocupa a outra ponta a moeda do Quênia, que se valorizou 22,1% no ano, seguida pelas moedas da Rússia e do Sri Lanka, que avançaram 7,3% e 6,2%, respectivamente. Veja o ranking abaixo:

“Entre os países piores do que o Brasil, temos nações que enfrentam algum problema de confronto civil, como Nigéria, Egito, Sudão do Sul e Gana, o que justifica a desvalorização”, explica o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.

Por que o dólar está em alta?

Política monetária dos EUA
As mudanças de sinalizações do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) sobre a condução dos juros nos Estados Unidos ajudam a explicar a força do dólar ao longo de 2024.

Nos últimos meses, sinais de um mercado de trabalho aquecido e de uma atividade ainda forte trouxeram preocupações ao BC norte-americano sobre a trajetória de inflação na maior economia do mundo – o que acabou postergando o início do ciclo de cortes de juros pela instituição.

A queda dos juros nos Estados Unidos ajuda a valorizar o real frente ao dólar. Quando os juros estão elevados por lá, a rentabilidade das Treasuries (títulos públicos norte-americanos), os mais seguros do mundo, é maior. Assim, quem busca segurança e boa remuneração prioriza o investimento no país.

Em relação a moedas emergentes, como o real, o movimento de valorização do dólar fica ainda mais evidente, porque investidores deixam as aplicações mais arriscadas para destinar recursos aos EUA. Quanto menos dólar entra no mercado brasileiro, mais a moeda norte-americana se valoriza.

“Quando há uma uma certa preocupação em relação ao cenário internacional, é natural que os investidores realoquem seus capitais, refaçam suas carteiras e retirem investimentos de países emergentes”, explica Alex Agostini, da Austin Rating,


A balança comercial brasileira
Conforme mostrou o g1 no início deste mês, a piora da balança comercial brasileira também entra na conta. No ano passado, a balança comercial brasileira ultrapassou os US$ 98 bilhões, no maior valor da série histórica. Assim, também é normal que haja uma eventual correção de mercado.

A balança comercial do país é a diferença entre o que o país exporta ou importa. Essa variação influencia no dólar da seguinte maneira:

Quando as exportações estão melhores que as importações, o Brasil vende mais produtos para fora e recebe dólares por isso. Com muita moeda na praça, o preço cai. E quando as importações estão melhores, o país compra mais itens lá fora e paga com os dólares. Então, mais moedas saem do país e o preço sobe.


Segundo especialistas, o movimento ocorre porque há uma menor demanda internacional, que também está relacionada às movimentações de juros observadas nos Estados Unidos. Na prática, ocorre um movimento de reprecificação, o que gera redução na liquidez internacional.

O quadro fiscal do Brasil
O quadro fiscal brasileiro também tem sido contabilizado pelos economistas e visto como um dos fatores que ajudou a desvalorizar o real nos últimos meses.

Em abril desse ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou uma mudança na projeção fiscal do Brasil. A nova previsão passou a ser de déficit zero para 2025 — e não mais de superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), como previsto até o ano passado.

Na leitura do mercado, a mudança na meta significa abrir mais espaço para gastos – mesmo em um cenário de dificuldade do governo em aumentar as receitas e apenas no segundo ano de existência do novo arcabouço fiscal.

Recentemente, os gastos públicos do governo ganharam ainda mais a atenção do mercado após novas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

As reações negativas ganharam força na semana passada, quando o presidente disse que não pensa a economia do país de forma separada de medidas voltadas ao desenvolvimento social — o que, na visão do mercado financeiro, significa uma tendência de aumento de gastos.

Nesta terça-feira (18), a nova alta do dólar ocorreu na esteira das declarações de Lula contra a política monetária do Banco Central do Brasil (BC) e contra o presidente da entidade, Roberto Campos Neto.

Lula afirmou que o BC é a “única coisa desajustada” no Brasil e que o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, “trabalha para prejudicar o país”.

“Só temos uma coisa desajustada neste país: é o comportamento do Banco Central. Essa é uma coisa desajustada. Presidente que tem lado político, que trabalha para prejudicar o país. Não tem explicação a taxa de juros estar como está”, afirmou Lula, em entrevista à Rádio CBN.

Escalada de conflitos
Conforme o g1 mostrou em abril, houve ainda capítulos como a escalada de conflitos internacionais. Naquele mês, o Irã lançou um ataque de mísseis e drones contra Israel, após um suposto ataque israelense contra a embaixada iraniana na Síria.

O cenário também elevou os receios de que os conflitos pudessem se agravar no Oriente Médio — região que já tem sido paco dos embates sangrentos entre Israel e o grupo terrorista Hamas.

O aumento dos conflitos também significa uma fuga para o dólar, que é considerado um investimento mais seguro. Esse processo valoriza a moeda norte-americana e, por consequência, desvaloriza as moedas emergentes.

Matéria publicada pelo G1 no dia 19/06/2024, às 15h12 (horário de Brasília)