Dólar tem pior primeiro semestre em mais de 50 anos; o que explica?
O real tem se valorizado frente ao dólar nos últimos meses, mas o fenômeno não é exclusivo do Brasil. A moeda americana vive um momento de forte enfraquecimento no mundo inteiro, acumulando queda superior a 10% em 2025, a pior marca para o primeiro semestre desde 1973. Mas o que está acontecendo para o dólar, tradicionalmente visto como porto seguro em tempos de incerteza, perder força tão rapidamente?
A moeda encerrou o pregão com baixa de 0,88%, aos R$ 5,435. O valor é o menor de fechamento desde 19 de setembro do ano passado, quando encerrou em R$ 5,421. No mês, a divisa acumulou baixa de 4,99% e, no trimestre, recuo de 4,76. A queda no ano foi de 12%.
Segundo analistas, a resposta passa por vários fatores, que vão de políticas econômicas do governo de Donald Trump, aumento expressivo da dívida pública americana, apostas de cortes de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) e até mudanças de estratégia de grandes investidores globais. Entenda a seguir:
Fator Trump
De acordo com o Morgan Stanley, embora as taxas de juros de curto prazo dos EUA ainda influenciem o valor do dólar, o cenário de incerteza fiscal e comercial gerado pelas ações do governo Trump criou um “prêmio de risco” negativo, pressionando a moeda. O banco estima que esse prêmio adiciona cerca de 4% de queda ao dólar em relação ao nível que seria justificado apenas pelos juros.
Mesmo movimentos que poderiam tradicionalmente favorecer o dólar, como altas no preço do petróleo ou tensões geopolíticas, têm tido efeito limitado. Para Francesco Pesole, do ING, isso é sinal de desconfiança persistente do mercado em relação à moeda americana.
Dívida americana
Além disso, o governo Trump vem propondo pacotes de corte de impostos que podem elevar a dívida americana em mais de US$ 3 trilhões na próxima década. A perspectiva de déficit crescente gera desconfiança sobre a sustentabilidade das contas públicas, afastando parte dos investidores de ativos americanos.
Juros do Fed
Ao mesmo tempo, o Federal Reserve é pressionado a cortar juros para sustentar a economia, o que, na prática, reduz o retorno de investimentos em dólar. Segundo projeções do Morgan Stanley, o Fed deve realizar cortes de até 175 pontos-base em 2026, mesmo sem recessão formal, já que as taxas atuais são consideradas restritivas para o crescimento.
Enquanto isso, o euro avançou cerca de 13% no ano, impulsionado por expectativas de fim do ciclo de alta de juros na Europa e pela busca de investidores por alternativas ao dólar. O ouro também renovou máximas, beneficiado da busca por proteção em meio às incertezas geopolíticas e cambiais.
Realocação de capital
Chris Turner, do ING, destaca que parte da pressão sobre o dólar vem da realocação de carteiras: “Investidores têm aumentado o hedge cambial ou reduzido exposição direta a ativos americanos, o que pesa sobre a moeda”.
Em relatório recente, o Morgan Stanley projetou que até US$ 66 bilhões podem ser direcionados para ações da América Latina — o equivalente a 6% do valor de mercado atual da região — caso fundos globais revertam a atual posição de 180 pontos-base abaixo da média (underweight) em ações de mercados emergentes, em um contexto de maior diversificação, movimento em que o Brasil seria o principal beneficiado.
Caso brasileiro: USD x BRL
Na disputa direta com o real, além do fator externo, contribui para a melhora do câmbio o diferencial de juros doméstico ainda atrativo para os investidores, especialmente após a última alta da Selic para 15% ao ano, observam analistas da LCA. Além disso, afirmam, a percepção de risco do Brasil melhorou em comparação a outros emergentes, favorecendo a moeda local, impulsionada pelo crescimento econômico consistente e menor exposição às tarifas recíprocas americanas.
O que esperar?
Apesar do enfraquecimento do dólar, o mercado de ações nos EUA segue em recordes. Mas, medido em outras moedas, o retorno de Wall Street fica atrás de bolsas europeias, segundo o Morgan Stanley.
Analistas ponderam que a velocidade da queda pode diminuir nos próximos meses, mas a incerteza deve continuar alimentando oscilações na moeda — que vê cada vez mais questionado seu status de reserva global.
Matéria publicada no portal InfoMoney, no dia 30/06/2025, às 18:28 (horário de Brasília)