Empresas de energia apostam em inovação para liderar transição energética no Brasil

Empresas de petróleo, gás e petroquímica estão intensificando pesquisas e projetos de inovação para aproveitar a janela de oportunidades trazidas para o Brasil pela necessidade de descarbonização da economia e de transição para energias limpas.

A Shell Brasil, por exemplo, destinou cerca de R$ 2,5 bilhões para Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) entre 2018 e 2023 e projeta investir R$ 480 milhões neste ano. Dos recursos anuais, 70% são direcionados a projetos de eficiência e redução da pegada de carbono da indústria offshore e 30% voltados às novas tecnologias de baixo carbono e transição energética. “Entendemos que o setor é peça-chave para financiar projetos, diversificando e expandindo novas fontes de energia. Essa jornada deve ser segura, acessível e sustentável”, afirma Flavio Rodrigues, vice-presidente de relações corporativas.

Com cerca de 700 colaboradores no Brasil, a Shell tem 33 especialistas atuando exclusivamente em P&D. Adicionalmente, conta com ampla rede de parceiros, ao apoiar 1,4 mil pesquisadores, mais de 20 universidades e institutos e 30 empresas e startups. No modelo de inovação aberta, também há conexões com centros tecnológicos próprios em Houston (Estados Unidos), Amsterdã (Holanda) e Bangalore (Índia).

A Shell estabeleceu três centros de inovação no país. O RCGI concentra-se em pesquisas de soluções para reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE). O CINE explora novas energias e o OTIC foca na otimização de tecnologias offshore.

Inovações recentes da Shell representam salto de competitividade. Na área de engenharia de offshore, a PACI 3 (Completação Inteligente de Poço Aberto em três zonas) é uma configuração inovadora de poço, já testada em seis poços de águas ultraprofundas no campo de Mero, na bacia de Santos. “A PACI 3 contribui com uma redução significativa da complexidade e dos custos de construção de poços do pré-sal brasileiro”, explica Rodrigues.

Outro projeto é o H2R, uma metodologia inovadora de integração do hidrogênio a motores de compressão a diesel em plataformas de perfuração offshore e embarcações marítimas. “O objetivo é aumentar a eficiência da combustão, sem a necessidade de modificações significativas, reduzindo custos operacionais e a pegada de carbono das operações”, diz o executivo.

Contribuindo para o mix de combustíveis, o programa BRAVE (Brazilian Agave Development) incentiva o uso de espécies de agave como fontes de biomassa para produção de etanol e coprodutos. As linhas de pesquisas são melhoramento genético e desenvolvimento de mudas de baixo custo, soluções para a mecanização agrícola e processamento.

Já a Petrobras tem um plano recorde de investimentos de P&D de US$ 3,6 bilhões entre 2024 e 2028. Somente neste ano, será quase US$ 1 bilhão. O Cenpes, seu centro de pesquisa que orquestra os processos e gere o orçamento, conta com mais de mil profissionais, mas os envolvidos em inovação somam nove mil, considerando funcionários de outras áreas e parcerias.

Hoje, as 17 linhas de pesquisa do Cenpes têm como desafios aumentar a produtividade e a durabilidade de plataformas e equipamentos, bem como adicionar novas tecnologias e vertentes de negócios. “Um terço das nossas linhas de pesquisa é focado em como serão nossos ativos no futuro”, afirma Maiza Goulart, gerente-executiva do Cenpes.

A Petrobras está na vanguarda com diversas iniciativas. Por exemplo, possui o maior programa de Captura, Uso e Armazenamento de Carbono (CCUS) em operação no mundo. A solução, que separa o CO2 do gás natural nas plataformas de petróleo, reduz as emissões de carbono na atmosfera e ainda aumenta a eficiência. A reinjeção de CO2 nos reservatórios eleva a quantidade de óleo que pode ser extraído. “Agora, queremos colocar essa tecnologia de captura de CO2 a serviço de outros segmentos industriais. Temos um projeto-piloto de hub de CCUS em Cabiúnas (RJ)”, diz a executiva. Contudo, o potencial desse negócio depende de regulamentação.

Outra novidade é que a Refinaria de Petróleo Riograndense (RPR) alcançou um marco histórico no fim de 2023 ao processar, pela primeira vez, 100% de óleo de soja, produzindo insumos renováveis para a indústria petroquímica. “Pegamos uma refinaria que sempre processou petróleo e, com ajustes nos processos e catalisadores, desenvolvemos essa biorrefinaria validada em escala industrial”, explica Goulart.

O mercado vem ganhando novos tipos de combustível da Petrobras – caso do Diesel R, desenvolvido pela empresa e com 5% a 10% de conteúdo renovável, e do bioquerosene de aviação 100% renovável BioQAV (tecnologia adquirida). “Mas estamos pesquisando tecnologias alternativas para combustível de aviação por coprocessamento, no mesmo princípio do Diesel R”, diz a executiva.

A Vibra, por sua vez, conta com o hub Vibra co.lab. “É uma estrutura para capacitar e prover a companhia com todo o ferramental de inovação, incluindo critérios técnicos, segurança psicológica, engajamento das lideranças e parcerias”, diz Aspen Andersen, vice-presidente de gente e tecnologia.

Para fomentar soluções de startups em mobilidade, transição energética, conveniência e varejo, a companhia tem o Vibra Ventures, fundo de investimento de R$ 150 milhões. A EZVolt, especializada em recarga de veículos elétricos, é uma das investidas. “Esse é o nosso olhar de futuro. Ainda não temos todas as respostas sobre a eletrificação da frota, mas precisamos estar preparados”, afirma Andersen. Outro exemplo é a DEEP, que desenvolveu uma solução baseada em inteligência artificial, que, ao ser conectada ao sistema de gestão das empresas, produz um inventário de emissões de GEE, o que facilita nos planos de descarbonização e adoção de energias renováveis. A Vibra tem ainda 70 startups plugadas aos negócios por contratos.

A Braskem pretende se tornar líder de produtos feitos a partir de biomassa ou matérias-primas renováveis. Outros pilares são reduzir a emissão de CO2 na produção de petroquímicos fósseis e a circularidade – reciclagem e reutilização de plásticos. “A inovação é um pilar estratégico da companhia, juntamente com sustentabilidade e competitividade”, ressalta Antonio Queiroz, vice-presidente de inovação, tecnologia e desenvolvimento sustentável.

Segundo ele, os investimentos em P&D aumentaram, apesar da queda de faturamento da companhia devido ao ciclo de baixa de preços dos petroquímicos no mercado global. Em 2023, a Braskem destinou R$ 554 milhões, 8% acima do registrado no ano anterior e o dobro do valor de 2021. Em 2024, a previsão é investir R$ 555 milhões.

A Braskem possui a maior unidade no mundo de eteno derivado de etanol de cana-de-açúcar, voltado para a produção de polietileno verde, EVA verde e cera de polietileno verde, localizada em Triunfo (RS). Atualmente, essa planta industrial processa 260 mil toneladas por ano, cerca de 3% do total da empresa. “A meta para 2030 é produzirmos um milhão de toneladas de produtos com base em matérias-primas renováveis”, afirma Queiroz.

Para tanto, a Braskem tem fechado parcerias, como a feita com a dinamarquesa Topsoe para finalizar o desenvolvimento de bio-MEG (monoetilenoglicol) a partir da glicose do milho, que é usado na fabricação de plástico PET e outras aplicações. E para a produção e comercialização em escala de bio-MEG, a Braskem formou em 2022 uma joint venture com a japonesa Sojitz, com previsão de início de três plantas industriais em 2025 e 2026.

Também presente no ranking Valor Inovação Brasil, a Comgás irá investir em torno de R$ 20 milhões em P&D e inovação em 2024, patamar próximo de 2023. No momento, são 25 projetos em andamento nas verticais de energias limpas e renováveis, eficiência energética e cidades do amanhã, com foco em soluções digitais. “Consideramos tendências que impactam o setor, como a crescente demanda por combustíveis sustentáveis, a necessidade de infraestrutura para suportar a transição energética e a segurança cibernética em ambiente cada vez mais digitalizado”, avalia Thiago Trevisan, diretor de TI, inovação e experiência. Com mais de mil funcionários diretos e três mil indiretos, cerca de 20% do quadro está envolvido no desenvolvimento de inovação e execução.

Entre os projetos em implementação está a medição remota – coleta de dados do consumo em tempo real. A tecnologia já está disponível nos grandes consumidores, como os industriais, e será expandida. Com ela, será possível fazer análises preditivas sobre os perfis de clientes, monitorar desvios de padrões de consumo e verificar vazamentos.

Outras iniciativas são o projeto Obra Remota, que permitirá monitorar obras a distância com inteligência artificial embarcada e utilização de drones, e o Digital Twin, que vai criar um ambiente virtual para treinamentos de manutenção e operações de emergência. Entre as parcerias com empresas, a mais recente é com a Scania. “O objetivo é ampliar o uso de GNV e biometano em veículos comerciais pesados”, afirma Trevisan.

Matéria publicada pelo Valor Econômico no dia 06/08/2024, às 05h04 (horário de Brasília)