Entenda por que o dólar saiu de R$ 5,75 e superou R$ 6,15 em um mês

Desde 18 de novembro, o dólar à vista apresentou valorização próxima de 7% contra o real. No período, a moeda americana saiu de R$ 5,7469 para algo em torno de R$ 6,1506 nesta terça-feira (17). O principal motivo para tamanha apreciação do dólar é a crescente percepção dos agentes financeiros de que a dívida pública caminha para uma trajetória não sustentável. Diante disso, o investidor passa a “cobrar mais” para ter o real em mãos, elevando, assim, o chamado “prêmio de risco”.

O câmbio doméstico sofre forte desvalorização neste ano — o dólar valoriza pouco mais de 25% no acumulado de 2024 contra o real. No começo do ano, parte da piora veio por ajustes em torno das expectativas de corte de juros pelo Federal Reserve (Fed). Havia a percepção de que eles cortariam as taxas já nos primeiros meses de 2024, o que acabou não ocorrendo. As eleições no México e nos Estados Unidos, assim como o aumento dos juros no Japão, também ajudaram a depreciar o câmbio local.

O principal fator que explica essa forte depreciação, no entanto, é a incerteza em torno da política econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), especialmente na seara fiscal. Nesse sentido, o primeiro gatilho veio em abril, quando o governo anunciou a revisão das metas fiscais de 2025 e dos anos seguintes. Desde então, o prêmio de risco derivado das questões locais e que é embutido no câmbio só cresce.

O que justifica a piora tão forte recentemente?

Ainda antes do segundo turno das eleições municipais, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, havia indicado que, após o resultado das votações, apresentaria um pacote de revisão de gastos. Isso foi bem visto pelos agentes do mercado, já que era algo cobrado há algum tempo, dado que o governo vinha focando seu ajuste fiscal essencialmente em medidas de aumento de receitas, por meio do aumento de impostos.

A divulgação do pacote foi adiada diversas vezes, o que gerou apreensão entre os agentes financeiros e elevando as expectativas em torno das medidas. Mesmo assim, predominou o otimismo. Antes da apresentação, alguns economistas e gestores diziam acreditar que a demora estava ocorrendo por conta do “amarro político”, dado que seriam medidas mais estruturais e que poderiam exigir negociações.

O real intacto e incólume ao efeito Trump

A expectativa em torno do pacote era tamanha que, mesmo com a eleição de Donald Trump pesando sobre as principais moedas de mercados emergentes, o real ficou estável por quase três semanas após as votações nos Estados Unidos, apresentando um dos melhores desempenhos globais. Na expectativa do pacote fiscal, ninguém queria se posicionar contra o real, dado que iniciativas do governo que indicassem mais sustentabilidade da dívida pública poderiam engatilhar uma reversão no tamanho do prêmio de risco fiscal. Ou seja, havia a crença que o câmbio poderia apreciar.

A surpresa e o mau humor

Dias antes do anúncio oficial do pacote, o noticiário trouxe que o governo iria incluir a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha salário de até R$ 5 mil. Não se sabia ao certo o impacto disso, mas a informação foi mal recebida pelos agentes financeiros, que passaram a exigir prêmios de risco maiores.

Os investidores ficaram incomodados, já que esperavam cortes mais estruturais e foram surpreendidos com possíveis novos gastos, que poderiam indicar uma inflação mais alta e, consequentemente, juros mais altos. O pensamento bastante comum entre os participantes do mercado era o de que o governo, preocupado com sua popularidade (e com o desempenho tímido de partidos de esquerda nas eleições municipais), não estaria disposto a resolver a questão fiscal — não só neste, mas em um possível próximo governo. Isso bastou para engatilhar a piora na percepção de risco.

Lula no hospital e possivelmente fora das eleições

Na semana passada, diante da internação do presidente Lula, houve entre a maioria dos agentes financeiros, a leitura de que, assim como ocorreu nos Estados Unidos com Joe Biden, o atual presidente, por conta da idade e da saúde, poderia não participar da próxima corrida eleitoral. Diante disso, os agentes financeiros vislumbraram e passaram a precificar a chance de ocorrer algum ajuste fiscal no médio prazo. Com a melhora do presidente, falas sobre sua candidatura nas próximas eleições e pesquisas de intenção de voto, esse horizonte se desfez, e o dólar voltou a avançar com a piora na percepção de risco fiscal.

Nem mesmo BC ‘hawk’ e interventor contém mau humor

Neste meio tempo, o Banco Central realizou sua reunião de política monetária e elevou a Selic em 1 ponto percentual, além de sinalizar mais duas altas no mesmo ritmo – o que foi visto como um movimento bastante conservador. No dia posterior à decisão, o dólar chegou a cair com força na abertura das negociações, mas a piora na percepção de risco fiscal e discussões sobre um ambiente de dominância fiscal ofuscaram a postura dura do BC, no momento em que o mercado ainda monitorava a saúde do presidente Lula.

Nem mesmo intervenções no mercado à vista bastaram para conter o dólar. Nas últimas três sessões, o Banco Central injetou US$ 3,75 bilhões no mercado “spot”, mas mesmo assim o dólar segue no maior patamar nominal da história, perto de R$ 6,15.

Matéria publicada pelo Valor Econômico no dia 17/12/2024, às 11h21 (horário de Brasília)