Hamas e a sucessão após a morte do seu líder Ismail Haniyeh
Morto em um ataque aéreo em Teerã, Ismail Haniyeh era a principal figura a gerenciar as relações internacionais do Hamas e um dos rostos mais reconhecidos do grupo em todo o mundo. De sua base em Doha, no Catar, ele ajudou a liderar o grupo palestino em negociações sobre cessar-fogo em Gaza, e fez discursos inflamados transmitidos por todo o mundo árabe. Apesar da notoriedade, seu assassinato no Irã, contudo, dificilmente desestabilizará o Hamas a longo prazo, dizem analistas, observando que o grupo se recuperou da eliminação de líderes anteriores.
— Seu assassinato é um grande golpe — disse Ibrahim Madhoun, um analista de Istambul próximo ao Hamas, em uma entrevista. — [Mas] O Hamas enfrentou essa situação no passado [e] saiu desses cenários mais forte.
A longa lista de líderes do Hamas mortos por Israel inclui Ahmed Yassin, fundador e líder espiritual do Hamas, em 2004; Salah Shehadeh, o fundador do braço armado do Hamas, em 2002; Abdel Aziz Rantisi, um líder sênior do Hamas em Gaza, em 2004; e Ahmed al-Jabari, um alto comandante, em 2012.
Por décadas, o nome de Haniyeh foi sinônimo do Hamas, pois ele serviu em algumas das posições mais proeminentes do grupo. Ele também desempenhou um papel de equilíbrio entre as alas militar e política do Hamas. Mas a confiança do Hamas em suas instituições, e não em indivíduos específicos, ajudou-o a superar os assassinatos de seus líderes no passado, disse Mkhaimar Abusada, professor de ciência política da Cidade de Gaza.
— Há um foco em certas pessoas no Hamas — disse ele. — Mas a ausência dessas pessoas não leva a um vácuo, porque o Hamas tem instituições e essas instituições estão prontas para preencher qualquer vácuo.
Ainda assim, o Hamas tem poucas cartas para jogar em resposta ao assassinato do Haniyeh por conta própria, pois já está em guerra com Israel há quase 10 meses.
Após o início da guerra, Haniyeh vinha se dedicando à comunicação com mediadores do Catar e do Egito sobre a obtenção de um cessar-fogo, transmitindo as posições do Hamas após discussões internas.
O Hamas, disse Abusada, provavelmente deixaria as negociações de cessar-fogo com Israel, pelo menos por alguns dias ou semanas, mas acabaria tendo que retornar para parar a guerra e fornecer aos palestinos em Gaza algum alento.
— Suas escolhas são limitadas — disse o professor, observando que a ala militar do Hamas havia sido enfraquecida em Gaza. O grupo, disse ele, poderia decidir responder lançando um ataque na Cisjordânia ocupada por Israel.
Abusada disse, no entanto, que se o Irã pesar uma resposta, especialmente considerando que o assassinato ocorreu dentro de suas fronteiras, isso pode representar um desafio muito mais significativo para Israel.
O próximo chefe político do Hamas provavelmente será uma figura que esteja fora da Cisjordânia e Gaza porque a posição geralmente exige viagens. O Conselho Shura do Hamas provavelmente escolherá o próximo líder, de acordo com Madhoun e Azzam Tamimi, autor de um livro sobre o Hamas.
Quando Haniyeh foi eleito pela primeira vez para chefiar o escritório político do Hamas, ele ficou na Cidade de Gaza, sua cidade natal, mas depois se mudou com alguns de seus familiares para Doha.
Antes disso, ele ocupou uma série de cargos importantes. Ele foi um conselheiro próximo de Yassin, o líder fundador do Hamas; primeiro-ministro do único governo liderado pelo Hamas na história da Autoridade Nacional Palestina; e líder do Hamas em Gaza, uma posição agora ocupada por Yahya Sinwar, arquiteto dos ataques de 7 de outubro ao sul de Israel.
Desde 2017, ele é o líder geral do gabinete político do Hamas.
Khaled Meshal, ex-chefe desse gabinete, está entre os candidatos para substituir o Haniyeh. Meshal está há muito tempo baseado em Doha e costumava sentar-se ao lado de Haniyeh em reuniões com ministros e representantes visitantes.
— Ele pode reunir mais unanimidade no Hamas do que qualquer outra pessoa — diss Tamimi, que é amigo de Meshal há décadas.
Mousa Abu Marzouk e Khalil al-Hayya, ambos altos funcionários do Hamas em Doha, também podem fazer parte da discussão, disse Tamimi.
Matéria publicada pelo O Globo no dia 31/07/2024, às 09h31 (horário de Brasília)