Israel tomará a Cidade de Gaza, mas não a tomará totalmente
Israel disse que assumirá o controle da Cidade de Gaza — uma medida que pode deslocar 1 milhão de palestinos que vivem lá — desafiando as preocupações domésticas sobre o destino dos reféns restantes e o clamor internacional sobre a situação humanitária no enclave.
O gabinete de segurança do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu aprovou a operação na manhã de sexta-feira com o objetivo de “derrotar o Hamas” após 22 meses de combates que mataram dezenas de milhares de habitantes de Gaza e desencadearam alertas de fome da ONU. A decisão não chegou à tomada de poder total que Netanyahu havia sugerido em entrevista à Fox News na quinta-feira.
Ele disse que Israel eventualmente “entregaria a região às forças árabes que a governariam adequadamente, sem nos ameaçar, e dariam uma vida boa aos moradores de Gaza”. O gabinete estabeleceu o prazo simbólico de 7 de outubro para concluir os preparativos, dois anos depois que o Hamas — uma facção islâmica apoiada pelo Irã e que está nas listas negras do terrorismo ocidental — desencadeou a guerra atacando Israel, matando 1.200 pessoas e sequestrando 250, segundo a mídia local.
O novo plano exigirá seis divisões do exército — cerca do dobro do efetivo atual em Gaza, de acordo com o Canal 12 de Israel.
Após a reunião, Israel declarou oficialmente cinco condições para o fim da guerra, levantadas anteriormente, incluindo o desarmamento do Hamas, o retorno de todos os 50 reféns restantes, a desmilitarização e o controle de segurança israelense da Faixa de Gaza, e o estabelecimento de uma administração civil alternativa que não seja nem o Hamas nem a Autoridade Palestina.
O shekel depreciou 0,3% após a decisão do gabinete e era negociado a 3,34 em relação ao dólar americano às 9h30. A Bolsa de Valores de Tel Aviv não abre às sextas-feiras, mas seu índice de referência caiu 2,7% na última semana após os relatos da decisão iminente.
‘Mais Desastres’
O líder da oposição Yair Lapid atacou os novos planos, dizendo em uma publicação no X que eles levarão “a muitos mais desastres” e constituíram uma rendição aos membros da coalizão de extrema direita de Netanyahu “em completa contradição à opinião das forças militares e de segurança, sem considerar a erosão e exaustão das forças de combate.
É “uma ação que levará à morte de reféns, à morte de muitos soldados e custará dezenas de bilhões aos contribuintes israelenses”, acrescentou.
A decisão marca uma escalada em um conflito que já devastou o território palestino, onde o Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas alertou que meio milhão de pessoas estão morrendo de fome.
O comunicado israelense emitido na sexta-feira prometeu “fornecer ajuda humanitária à população civil fora das zonas de combate”, mas não deu mais detalhes sobre como isso poderia ser feito.
Israel bloqueou toda a ajuda a Gaza em março e, em maio, permitiu que a Fundação Humanitária de Gaza, um grupo humanitário apoiado pelos EUA e por Israel, iniciasse as distribuições. Mas o sistema tem sido rejeitado pelas agências tradicionais da ONU, e a ONU afirma que mais de 1.000 pessoas em busca de ajuda foram baleadas perto de estações da GHF — incidentes pelos quais a GHF nega responsabilidade.
Isolamento Internacional
Israel mergulhou em isolamento internacional devido ao crescente número de vítimas humanitárias em Gaza. O Ministério da Saúde, administrado pelo Hamas, afirma que mais de 61.000 palestinos foram mortos na guerra, e a enxurrada de fotos de palestinos famintos nas últimas semanas levou um número crescente de aliados ocidentais de longa data a reivindicar a criação de um Estado palestino.
Na sexta-feira, a Holanda revogou as autorizações para a exportação de componentes de navios de guerra para Israel “devido à deterioração das condições na Faixa de Gaza” e “ao risco de uso final indesejável”. A Turquia condenou a decisão de sexta-feira e apelou à comunidade internacional e à ONU para impedir sua implementação.
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, pediu ao governo de Netanyahu que “reconsiderasse imediatamente”, pois “isso só traria mais derramamento de sangue”. Starmer acrescentou que o Hamas deve sair, se desarmar e não pode ter nenhum papel no futuro de Gaza, e reiterou o apoio do Reino Unido a uma solução de dois Estados.
Ao mesmo tempo, Israel tem grande apoio diplomático e logístico dos EUA, com o presidente Donald Trump cada vez mais frustrado com a postura de negociação do Hamas e se oferecendo para expandir o GHF em conjunto com os avanços das Forças de Defesa de Israel.
As Forças de Defesa de Israel (IDF) já controlam cerca de 75% de Gaza, deslocando centenas de milhares de palestinos cujas cidades e casas foram reduzidas a ruínas. A Cidade de Gaza, ao norte, está entre os bolsões de território que foram alvo de ataques aéreos, mas em grande parte contornados por forças terrestres, já que Israel acredita que o Hamas mantém reféns ali, 20 dos quais supostamente estão vivos.
Oposição Interna
Pesquisas mostram que os israelenses, por ampla maioria, prefeririam ver a guerra terminar com o Hamas intacto se isso significasse recuperar os reféns e poupar os militares de mais baixas.
O Chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel (IDF), Tenente-General Eyal Zamir, propôs um plano mais brando, que foi rejeitado pelo gabinete de segurança porque “uma maioria decisiva de ministros acreditava que o plano alternativo submetido ao gabinete não levaria à derrota do Hamas nem à devolução dos reféns”, segundo o comunicado do gabinete.
Um grupo que representa as famílias dos reféns, que foram às ruas em Israel durante a reunião do gabinete, disse na manhã de sexta-feira em um comunicado que a “decisão de prosseguir com a ocupação da Faixa de Gaza significa abandonar os reféns, ignorando completamente os repetidos avisos da liderança militar e a clara vontade da maioria do público israelense”.
Zamir disse na quinta-feira que as IDF pretendem derrotar o Hamas e operarão com os reféns “em primeiro lugar em nossas mentes”.
As negociações sobre um terceiro cessar-fogo proposto e a libertação parcial dos reféns estagnaram no mês passado, com Israel e seu aliado, os EUA, culpando o Hamas. A facção palestina buscou um compromisso de fim de guerra por parte de Israel, que insistiu que o Hamas primeiro abrisse mão do poder e das armas.
O Hamas — que Israel estima ainda ter cerca de 20.000 homens em armas, metade do número anterior à guerra — está desafiador. Na Cidade de Gaza e nas cidades centrais que também estão na mira de Israel, os combatentes palestinos mantêm sistemas de túneis que poderiam permitir emboscadas rápidas contra o exército israelense, que já perdeu mais de 450 soldados em Gaza. O Hamas também ameaçou executar os 20 reféns vivos em vez de vê-los resgatados.
Matéria publicada na Bloomberg, no dia 08/08/2025, às 06:15 (horário de Brasília)