Mercado em alerta com declarações de Lula sobre política monetária
Às vésperas da decisão do Copom, as críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à condução da política monetária no Brasil e ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, voltaram a ampliar o desconforto dos agentes de mercado. Por um lado, ganhou força a leitura de que as declarações de Lula poderiam aumentar a pressão sobre os membros indicados pelo governo a votar pela continuidade dos cortes na Selic, gerando uma nova divisão dentro do colegiado. Por outro lado, o uso dos termos “maduro” e “calejado”, pelo presidente para descrever o perfil de seu indicado à cadeira do BC, trouxe de volta especulações sobre possíveis novos nomes para substituir Campos Neto.
Nas bolsas de apostas, circulam nomes como o do ex-diretor do BC Luiz Awazu; o do ex-ministro Guido Mantega; e o do atual presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.
Após o placar dividido do último Copom ter trazido uma piora na percepção de risco, participantes do mercado passaram a esperar que o BC irá interromper os cortes de juros de forma unânime na reunião de hoje. A perspectiva, no entanto, sofreu um abalo após as críticas de Lula à condução da política monetária no país.
Em condição de anonimato, agentes avaliam que as declarações, na véspera da decisão, ampliam a pressão sobre os membros do Copom indicados pelo governo a votar novamente por cortes. Isso porque, caso votem com a maioria do colegiado pela interrupção das reduções, poderiam se inviabilizar à sucessão da presidência do BC.
O tesoureiro de um banco local afirma que as declarações ampliam a pressão e aumentam a probabilidade de uma nova decisão dividida. “A visão aqui é de que a curva [de juros] vai inclinar muito se a decisão for dividida. Viés comprador de NTN-Bs curtas e de dólar, tudo na linha de maior prêmio de risco.”
Já o estrategista-chefe da BGC Liquidez, Daniel Cunha, acredita que as declarações de Lula não aumentam a probabilidade de um dissenso na reunião de hoje, mas, certamente, vão aumentar o impacto de uma possível divisão nos mercados. “Se o dissenso já era ruim, após as manifestações vocais de hoje [ontem] do presidente, os efeitos devem se tornar piores ainda. Para o mercado, o resultado líquido das falas ficou negativo e isso acabou aumentando a apreensão. Dito isso, mantemos nossa previsão de manutenção unânime”, afirma.
Na mesma linha, o diretor de pesquisa econômica da Pezco, Helcio Takeda, avalia que as declarações de Lula adicionam pressão pela divisão, mas o cenário mais provável ainda é o de decisão unânime pela pausa no ciclo. “Ficou claro que a divisão teve um efeito mais negativo, no sentido de piora na percepção de risco. Lula tem sido um crítico da política monetária desde o início de seu mandato, mesmo considerando que a política monetária viabilizou a desinflação, sem um custo considerável em termos de crescimento”, aponta.
Para o economista-chefe do Banco BMG, Flavio Serrano, o cenário mais provável ainda é a manutenção da taxa de juros em 10,5%, com uma decisão tomada de forma unânime. “As declarações do presidente não alteram esse cenário. Após o dissenso de maio e todas as consequências dessa divisão no Copom, acho que haverá um esforço para uma unidade”, conclui.
Durante a entrevista, Lula também descreveu seu indicado para o BC como “uma pessoa madura e calejada”. Como o principal cotado para assumir a presidência da autoridade monetária é Gabriel Galípolo, de apenas 42 anos, agentes viram um possível enfraquecimento do diretor de política monetária na corrida para o comando do BC.
“Ao dizer que vai buscar um presidente do BC que também olhe para uma meta de crescimento, o mercado também passou a ver riscos de que o Lula vá indicar outro presidente para a autoridade monetária. Isso fez com que o nome do Luiz Awazu voltasse à pauta, e por isso o mercado acabou não melhorando”, afirma um gestor.
A percepção de que o nome de Awazu voltou a ganhar força para assumir o BC também se deu pela sua presença no Senado ontem, em audiência pública para discutir a PEC que trata da autonomia financeira e orçamentária do BC. Ele, em linha com o governo, se posicionou de forma contrária à proposta.
Outro profissional de gestão traça cenário parecido. “A dor de cabeça do mercado agora está em quem será o próximo presidente do BC. As palavras ‘maduro’ e ‘calejado’ fizeram muita gente achar que não será o Galípolo. As alternativas podem ser muito piores e os nomes mais falados agora são o do Guido Mantega e do Luiz Awazu”, disse.
Esta fonte considera a indicação de Awazu “ligeiramente pior que a de Galípolo, mas infinitamente melhor que a de Mantega”. “O mercado hoje torce para que seja o Galípolo mesmo. Mas o Lula pode vir com alguma surpresa. Seria bom descartar os nomes do Mantega e do Mercadante logo”, afirmou.
Outros nomes especulados por agentes de mercado são o do economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa, e o do economista André Lara Resende.
Matéria publicada pelo Valor Econômico no dia 19/06/2024, às 05h01 (horário de Brasília)