Mubadala desiste de Mataripe e foca em biorrefinaria de US$ 3 bi na Bahia

Com Mataripe fora dos planos, o Mubadala Capital vai apostar suas fichas no projeto da biorrefinaria que construirá na Bahia, na qual pretende ter participação majoritária, mas não única. O Valor apurou que a gestora iniciou conversas com outros potenciais parceiros, inclusive internacionais, para desenvolver o projeto desenhado para utilizar como matéria-prima a macaúba, um vegetal encontrado no Cerrado brasileiro. A pedra fundamental da biorrefinaria tem previsão de ser lançada no fim do ano, dizem fontes a par do tema.

O Mubadala já iniciou as obras de um centro tecnológico e de inovação, que será localizado em Montes Claros (MG), e começou a compra de terras em várias regiões do Brasil, incluindo Minas Gerais e Bahia. Para o centro, a Acelen Renováveis, braço de energia verde do Mubadala, obteve financiamento de R$ 250 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Procurado, o BNDES não respondeu até o fechamento desta edição.

Em paralelo, a empresa ainda negocia com a Petrobras a saída integral da refinaria de Mataripe, operado pela Acelen, disseram as fontes. O Mubadala Capital, afirmam, tem como premissa não entrar em projetos nos quais não possa ser acionista majoritário, o que não aconteceria com a refinaria. Procurados, Mubalada Capital, Acelen e Petrobras disseram que não comentariam o caso.

A desistência de ficar com Mataripe, segundo as fontes, se deu após o Mubadala perceber a reversão da abertura do mercado de refino e a desistência da Petrobras de vender as oito plantas previstas no plano de desinvestimento, em curso até o início de 2023. O cenário, segundo fontes que conhecem o negócio, é que se formaria uma “concorrência desigual” entre a Petrobras e as refinarias privadas.

A revisão, em maio, das bases do termo de compromisso firmado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) com a Petrobras em 2016 no refino acelerou a saída do Mubadala de Mataripe: a estatal ficou liberada para recomprar até 100% de participação no empreendimento. O Mubadala, assim, abre mão da planta fóssil para se dedicar ao projeto de biorrefino, no qual terá participação acima de 50%. Inicialmente, as negociações entre Mubadala e Petrobras previam que a estatal teria 80% de participação em Mataripe e a Acelen, os outros 20%. Agora, a decisão da gestora dos Emirados Árabes é sair do negócio.

Uma incógnita é o valor a ser pago pela Petrobras pela recompra. A Acelen desembolsou US$ 1,65 bilhão em dezembro de 2021 por 100% da antiga refinaria Landulpho Alves (Rlam), que processava 200 mil barris por dia. A Acelen investiu R$ 2 bilhões para modernizar e reformar a unidade, e outros R$ 500 milhões na construção de uma usina solar para atender à demanda de eletricidade da refinaria. (veja números de Mataripe abaixo).

Segundo uma das fontes, um dos cenários em jogo prevê que a Petrobras pague o mesmo valor desembolsado pela Acelen, somado aos investimentos realizados e ainda não amortizados.

Em dezembro, o Mubadala apresentou proposta de “parceria” à Petrobras, que iniciou em março a avaliação dos negócios (“due diligence”). Segundo fontes, apesar de a estatal afirmar que a due diligence ainda está em andamento, a interpretação é que, na prática, as avaliações terminaram, pois a petroleira parou de enviar questionamentos e de fazer novos pedidos ao Mubadala. A etapa seguinte seria a manifestação formal da estatal.

A Petrobras se manifestou sobre o tema recentemente. No dia 9 de agosto, durante teleconferência com analistas sobre os resultados do segundo trimestre, o diretor de processos industriais e produtos da estatal, William França, disse que a empresa está concluindo a due diligence e o “valuation”. Segundo ele, “nada está cravado” sobre participação societária e, “no momento correto”, a estatal fará uma proposta ao Mubadala Capital. No mesmo dia, em entrevista coletiva também sobre o balanço trimestral, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, disse que a eventual recompra da refinaria de Mataripe “não é prioridade.”

Em paralelo às negociações por Mataripe, Petrobras e Mubadala assinaram memorando de entendimentos (MoU, na sigla em inglês) para estudar alternativas conjuntas de desenvolvimento da biorrefinaria, que será construída num terreno ao lado de Mataripe e utilizará a infraestrutura existente para escoar a produção para o mercado externo, especialmente de combustível sustentável de aviação. A busca de investidores em outros países não impede, porém, que a Petrobras seja sócia do empreendimento.

O projeto da biorrefinaria da Acelen prevê a produção de 1 bilhão de litros por ano de diesel renovável (diesel R) e combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês), com foco em países da Europa e nos Estados Unidos. O volume corresponde a cerca de 20 mil barris de óleo equivalente por dia (boe/dia). Os investimentos estão estimados em US$ 3 bilhões (cerca de R$ 16 bilhões) em dez anos e envolvem o plantio da macaúba e as centrais produtivas. A exportação da produção seria por meio do terminal Madre de Deus, que hoje ainda pertence à Acelen, mas que retornaria à Petrobras com a recompra de Mataripe.

Fontes consideram que a Petrobras, caso aceite a sociedade na biorrefinaria, pagará caro por uma fatia de um ativo que ainda é um projeto: o Mubadala estaria estimando em R$ 1 bilhão a participação de 20%. Porém, como a iniciativa com a Petrobras ainda está na fase de MoU, o Mubadala mantém conversas com outros parceiros potenciais para entrar no negócio, de olho na demanda crescente dos biocombustíveis no exterior.

A primeira fase da biorrefinaria prevê produção de diesel verde e SAF por meio de óleo de soja e sebo animal, tecnologias amplamente conhecidas, enquanto se busca viabilizar a macaúba. O prazo de construção da biorrefinaria é estimado entre 24 e 30 meses. Nesse meio tempo, a Acelen Renováveis fará mapeamento genético e preparações para melhoria da macaúba, para conhecer a real produtividade e alcançar níveis mais elevados de extração do óleo vegetal.

Especialistas apontam um prazo de cinco anos (projeções mais otimistas) a dez anos (mais conservadoras) para uma produção comercial em larga escala, após alcançada a maturidade da macaúba. A meta é obter uma “linhagem em escala industrial”, que prevê uma oferta de 1,7 milhão de sementes por mês.

À Petrobras, numa primeira análise, a planta de biorrefino pareceria interessante no momento em que a companhia tenta ganhar espaço no mercado com a produção de diesel verde. A petroleira tem planos de elevar participação em projetos renováveis, ligados à transição energética.

Entrar no projeto, mesmo como acionista minoritária, abriria espaço para elevar investimentos em renováveis, sem ter as “amarras” da governança da estatal, dizem fontes. Por outro lado, há a possibilidade de a Petrobras priorizar projetos próprios, em andamento ou à espera de aprovação, em vez da parceria.

Matéria publicada pela Valor Econômico no dia 29/08/2024, às 05h02 (horário de Brasília)