Os preços dos combustíveis podem subir em caso de uma retaliação brasileira à tarifa de Trump?

Na última terça-feira, 9 de julho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou uma tarifa adicional de 50% sobre sobre todas as exportações brasileiras enviadas para os Estados Unidos. A nova taxa está prevista para entrar em vigor a partir de 1º de agosto.

A medida foi comunicada através de uma carta pública, sob o argumento de “práticas comerciais desleais” e devido “aos ataques insidiosos do Brasil contra eleições livres e à violação fundamental da liberdade de expressão dos americanos”.

Trump abre o documento destacando insatisfação com a forma com que está sendo conduzido o julgamento ao ex-presidente Jair Bolsonaro, sinalizando que a decisão tem forte motivação política e ideológica.

Após o anúncio, o presidente Lula afirmou que o Brasil “não aceitará ser tutelado por ninguém” e que o aumento unilateral de tarifas sobre exportações brasileiras será respondido com base na Lei da Reciprocidade Econômica.

O petista declarou ainda que o processo judicial contra os envolvidos na tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023 é de competência exclusiva da Justiça brasileira.

Relação de longa data

O Brasil é um importante parceiro comercial dos Estados Unidos.

Em 2024, as exportações brasileiras para o mercado americano ultrapassaram US$ 37 bilhões, com destaque para produtos como petróleo bruto, carne bovina, café, minério de ferro e produtos manufaturados.

O petróleo, isoladamente, respondeu por mais de 30% das exportações para os EUA.

Ao contrário do que foi apontado por Trump, dados do Ministério de Desenvolvimento mostram que a balança comercial entres os EUA e o Brasil tem sido significativamente favorável aos americanos.

Há mais de 14 anos o Brasil possui um saldo comercial negativo com os Estados Unidos.

Impactos comerciais iniciais: competitividade e logística

Com a imposição das tarifas, os produtos brasileiros tendem a perder competitividade no mercado americano, uma vez que o custo adicional reduz a atratividade do produto nacional.

No entanto, é importante observar que o petróleo, principal item da pauta exportadora, possui demanda global robusta.

Isso significa que o Brasil, em tese, teria relativa facilidade em redirecionar suas exportações para outros mercados. Ainda assim, haveria impactos logísticos no curto prazo, como a necessidade de renegociação de contratos, rotas e custos de transporte.

Do outro lado, os Estados Unidos também dependem de produtos brasileiros.

O país é um dos principais destinos do café e da carne exportados pelo Brasil, e o redirecionamento desses produtos pode gerar desequilíbrios momentâneos no abastecimento desses itens no mercado americano.

Assim como o Brasil buscaria novos compradores, os EUA precisariam encontrar fornecedores alternativos, processo que pode levar a aumentos de custo e repasse ao consumidor final.

Possíveis impactos no preço dos combustíveis no Brasil

O efeito de uma retaliação brasileira pode recair sobre os preços dos combustíveis no mercado interno.

Isso porque uma resposta tarifária que atinja o diesel americano pode comprometer o equilíbrio da matriz de abastecimento brasileira, que hoje é parcialmente dependente do produto importado.

Atualmente, cerca de 25% do diesel consumido no Brasil é importado. Dentre esse total, aproximadamente 62% vêm da Rússia e 25% dos Estados Unidos, sendo os demais volumes oriundos de países como Arábia Saudita, Índia, Omã e outros mercados com participação marginal.

Uma eventual restrição à importação de diesel americano exigiria um rearranjo logístico imediato.

A alternativa mais evidente seria ampliar as compras junto à Rússia. O diesel russo é, em média, de 3% a 5% mais barato que o diesel americano, o que o torna competitivo, especialmente num cenário de crise.

No entanto, essa estratégia pode gerar um efeito colateral: com o aumento da demanda brasileira, é possível que os preços do diesel russo subam, pressionando o custo do produto no Brasil.

Além disso, caso o Brasil venha a recorrer a uma fatia maior de volume do diesel russo, em um cenário de substituição ao produto americano, o fará com um considerável grau de risco, pois ao final do ano iniciam-se as estações mais frias, com a entrada do inverno no hemisfério norte.

A estação é marcada por uma demanda maior de diesel em países da Europa, nos EUA e na Ásia, podendo haver restrições à oferta livre de diesel em especial o de origem russa.

Fato semelhante já ocorreu em anos anteriores, como entre setembro e novembro de 2023, e de março a maio, em 2024. Por conta da prioridade do governo russo em atender a demanda doméstica, houve corte temporário das exportações.

Outro ponto de atenção é o risco geopolítico: a Rússia, há mais de três anos em guerra e alvo de sanções internacionais, não é considerada uma fonte estável de fornecimento.

Por esse motivo, o governo brasileiro pode optar por ampliar a importação de mercados alternativos, como os países do Oriente Médio e do Sudeste Asiático.

Contudo, essas alternativas têm custo superior, o que também pode pressionar o preço final do combustível.

Petrobras e o dilema geopolítico

Um fator-chave nesse cenário é a atuação da Petrobras. A estatal brasileira não importa diesel russo, principalmente por estar listada na bolsa de Nova York, o que a torna sujeita às sanções aplicadas pelos Estados Unidos à Rússia.

Atualmente, 54% do diesel importado pela Petrobras é de origem americana, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, que necessita do volume extra sobretudo para abastecer a região Norte e Nordeste do país.

Caso o governo brasileiro adote uma postura de retaliação tarifária, a Petrobras enfrentará um impasse estratégico: ou se coloca sob risco de sanções perante o mercado financeiro americano por transacionar produtos energéticos russos, ou amplia compras em mercados alternativos, a preços menos competitivos que os atualmente disponíveis, incluindo o produto americano.

Em ambos os casos, há potencial de impacto direto sobre os preços internos.

Câmbio como vetor de pressão

Além da composição da oferta, o câmbio é outro vetor que pode influenciar os preços dos combustíveis. Após o anúncio das tarifas, o real se desvalorizou frente ao dólar, e qualquer movimento adicional nesse sentido, especialmente se a retaliação brasileira se concretizar, tende a encarecer as importações em geral.

No caso dos combustíveis, que possuem componentes importados significativos, essa elevação cambial se traduz diretamente em pressão inflacionária.

Misturas e alívio parcial na gasolina e no diesel

Há, no entanto, dois fatores recentes que oferecem algum alívio no curto prazo. A elevação da mistura de etanol na gasolina de 27% (E27) para 30% (E30), prevista pela resolução nº 9 de 25/06/2025 (em vigor a partir de 01/08), praticamente eliminará a participação da gasolina americana na composição do produto final brasileiro.

Isso significa que, mesmo em caso de retaliação comercial, a gasolina não deverá sofrer impactos diretos.

No caso do diesel, a elevação da mistura de biodisel de 14% (B14) para 15% (B15), prevista pela resolução nº 8 de 25/06/2025 (em vigor a partir de 01/08), representa uma redução de cerca de 2% na dependência de diesel importado. Embora o alívio seja mais modesto do que no caso da gasolina, ele contribui para mitigar parte da pressão sobre os preços.

Cenário volátil exige atenção contínua

O atual cenário é marcado por volatilidade e incertezas, com desdobramentos que dependem diretamente das decisões políticas e diplomáticas dos governos envolvidos.

Em caso de uma escalada tarifária, os impactos sobre o mercado de combustíveis brasileiro devem ser significativos, especialmente via preços do diesel e câmbio, embora a dimensão desse impacto não possa ser mensurada de imediato.

Em caso de uma solução diplomática favorável, o impacto pode ser diminuto, ou até mesmo completamente eliminado, em um possível acordo de ambas as partes envolvidas.

Matéria de autoria da equipe de comunicação da Raion Consultoria