Política de preços em foco: Petrobras sob nova direção enquanto ações continuam em queda
Jean Paul Prates assumiu o comando da Petrobras em janeiro de 2023, no início do governo Lula. Um ano e cinco meses depois, se despediu da estatal, demitido por Lula, em meio a gritaria gerada pela política de dividendos e ao embate com o Ministério de Minas e Energia. Justamente quando se completa um ano da principal missão passada a ele pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Acabar com a política de paridade de importação (PPI) para definir os preços de gasolina e diesel.
Ou, nas palavras do então chefe, Prates “abrasileirou” os preços da Petrobras. E, ao menos nesse sentido, nada deve mudar muito na estatal.
“Acredito que não teremos mudança porque a política não vem causando engasgos. O mercado já entendeu e a companhia consegue navegar mesmo com um petróleo Brent maior. Mas não me surpreenderia em ver o preço repassado para as distribuidoras mais próximo do valor marginal para Petrobras do que do custo de aquisição para o cliente. Em suma, se eu não acreditava em reajustes na gestão Prates, agora a chance de vermos algo é ainda menor, pra não dizer quase que nula”, pontua Ilan Arbetman, analista da Ativa.
Desde quando foi implementada a estratégia comercial, a Petrobras considera uma faixa de preço de referência, que tem como limite inferior o valor marginal – espécie de custo de oportunidade – e como limite superior o custo alternativo do cliente – que se aproxima do conceito de PPI.
E qual o saldo do “abrasileiramento” dos preços até aqui? Positivo ou negativo?
De acordo com um estudo da Leggio Consultoria, especializada em petróleo, gás e renováveis, a estratégia comercial tem se mostrado acertada. Pelo menos até agora. Transcorrido quase um ano, a Petrobras tem conseguindo fazer a captura do ganho gerado pela variação de preços no mercado internacional. O relatório aponta que, quando os preços estão em alta, a empresa mantém uma defasagem de um mês no repasse ao seu produto, o que elimina os picos de valores da commodity. Já quando os preços estão em queda, o repasse é feito praticamente sem defasagem.
“Na prática a Petrobras perde um pouco de oportunidade ao não fazer o repasse mais rapidamente quando há volatilidade para cima da commodity. Mas entendemos que esse é um efeito muito limitado. O mais importante é que a empresa tem mantido o comportamento de repasse de preços para o mercado, o que tem preservado a geração de resultado e a geração de caixa da empresa.”, sustenta Camila Affonso, sócia da Leggio Consultoria.
O estudo da Leggio considera o período de 2020 a janeiro de 2024 e mostra ainda que, com a política conhecida como ‘PPI menos’ os valores praticados pela estatal no diesel e na gasolina se mantiveram oscilando ligeiramente abaixo do Preço de Paridade de Importação (PPI). Os preços praticados estão cerca de 5% abaixo da paridade de importação no diesel e 3% na gasolina. A consultoria nota que essa estratégia já vinha acontencedo ao longo de 2022.
“É um meio do caminho razoável não ter um repasse imediato da volatilidade para cima do petróleo e uma agilidade um pouco maior de transportar a variação negativa”, considera Affonso.
Os percentuais de defasagem diferem do que é apurado pela Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), que calcula a paridade de importação diária, e Agência Nacional do Petróleo (ANP), que faz a mediação mensal. A conclusão de que a Petrobras não toma prejuízo também difere do que aponta um outro estudo, encomendado pela Refina Brasil, que avalia que a perda de receita bruta da estatal já alcançou R$ 9,432 bilhões nos mercados de refino, transporte e comercialização de gasolina e diesel entre maio do ano passado, quando foi abolido o (PPI), e meados de março deste ano.
A origem da celeuma em torno do PPI
No “longíquo” 16 de maio de 2023, o anúncio da estatal em relação ao mecanismo automático que atrelava os preços dos combustíveis às cotações internacionais e ao custo do frete gerou mais dúvidas do que certezas.
“A nova estratégia comercial não explicava, detalhadamente, como iriam funcionar as duas referências que passariam a ser usadas, ou seja, quanto seria o ‘custo alternativo do cliente’ e o ‘valor marginal’ para a Petrobras’. Havia uma subjetividade nos critérios que fez a ação sofrer no período”, resume Alexandre Pletes, chefe de renda variável da Faz Capital.
Sem o PPI guiando as decisões, o investidor passou a esperar por menos realizações nos lucros. Afinal, sem os reajustes sendo feitos em periodicidade definida, evitando o repasse para os preços internos da volatilidade conjuntural, a Petrobras deixaria de faturar. E as cifras a menos deixariam de se somar ao resultado da companhia, resume Felipe Moura, analista da Finacap.
Na avaliação de Pletes, da Faz Capital, mesmo com a defasagem, a companhia tem conseguido compensar o custo marginal, ou seja, “o custo de oportunidade dadas as diversas alternativas para a companhia dentre elas, produção, importação e exportação do referido produto e/ou dos petróleos utilizados no refino”, segundo a petroleira.
“Como a Petrobras tem baixo custo de extração, ela tem uma lucratividade grande na parcela da exportação e isso ajuda no custo marginal, que no começo ninguém acreditava na real a efetividade”.
A efetividade da atual política de preços de combustíveis também pode ser lida do ponto de vista macroeconômico. Pletes pontua que os reajustes na bomba menos frequentes em relação ao que era praticado no governo anterior trouxeram previsibilidade ao setor logístico, algo importante para contratos mais longos. E a gasolina, que apresentou inflação de 12,09% em 2023, encareceu pela reoneração dos impostos federais e pela mudança na cobrança do ICMS, não por pressão do principal acionista, ou seja, o governo.
Além disso, segundo o estudo, a atual política de preços dos combustíveis “deu certo” até aqui porque a sinalização de que os ajustes nos preços seguiram uma estratégia ajudou os investidores a afastarem a lembrança do que aconteceu no governo de Dilma Rousseff (PT), quando houve interferência para que os preços não fossem reajustados para conter artificialmente a inflação.
“Enquanto a governança se mantiver e a Petrobras não for usada para subsídio social e medidas populistas – o que não é uma exclusividade desse governo – será positivo essa forma de cálculo”, complementa Pletes.
Affonso ainda aponta que, ao manter o controle do suprimento nacional protegido dos picos de volatilidade, e com a empresa gerando o resultado operacional previsto, há razões para se acreditar que isso será revertido de alguma forma aos investidores. “Olhando por essa lógica do PPI, é uma informação que traz conforto para a decisão da distribuição dividendos ao acionista, ainda que existam diversos outros elementos que influenciam”.
‘Ajuda’ do petróleo, até quando?
O preço de paridade de importação (PPI) é uma conta técnica, que em geral considera o preço da molécula do petróleo e os custos para transportá-la até o ponto de destino, mais margens para remunerar riscos inerentes à operação. Ou seja reflete os custos totais para companhia internalizar o produto.
Como o Brasil não é autossuficiente na produção de derivados, como gasolina e diesel – mesmo sendo um grande exportador de petróleo bruto -, num momento de alta do barril do petróleo e da desvalorização do real perante o dólar, fica mais caro ofertar os subprodutos.
Apesar dessa lógica se impor, pode-se dizer que a política de preços de combustíveis adotada pela Petrobras foi favorecida pela commodity até aqui. Isso porque mesmo em um 2023 marcado por duas guerras e sanções contra a Rússia, surpreendeu o fato de o petróleo do tipo Brent — referência mundial — não ter tido alta expressiva. A commodity começou 2023 aos US$ 82,12 e encerrou aos US$ 76,91. Ou seja, a nova política de formação de preços dos combustíveis, que ainda não foi testada em uma conjuntura de alta do petróleo.
“Nossa capacidade de refino é baixa, o que nos obriga a importar o petróleo mais leve. E tudo o que a gente precisa importar de outras regiões do mundo acabou ficando em preço estável. Enquanto o petróleo ficar nesse patamar abaixo dos US$ 100, a empresa conseguirá manter a relação do custo marginal. Mas com o barril acima disso ficará difícil ter o mesmo desempenho”, aponta a Faz Capital.
As previsões para o preço da commodity energética em 2024 têm ficado abaixo dos US$ 100, mas os investidores acompanham a tensão no Oriente Médio. Esse contexto já contribuiu para que em abril houvesse aumento do frete por conta de ataques a navios no Mar Vermelho.
“Um conflito mais intenso pressiona a Petrobras a reajustar mais fortemente os preços. E se não reajustar terá problemas na rentabilidade, ainda mais num cenário em que a China, que é uma grande compradora do produto brasileiro, tem cedido às investidas das petroleiras russas”, pondera Pletes.
Já na avaliação do Goldman Sachs, o possível congelamento de preços dos combustíveis significa que o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) da Petrobras seria diminuído em torno de US$ 900 milhões a cada US$ 10 de desconto nos preços dos combustíveis sobre os preços internacionais. As perdas, no entanto, não afetariam de forma significativa os resultados mantido o atual cenário dos preços do petróleo.
Matéria publicada pelo Valor Investe no dia 16/05/2024, às 06h10 (horário de Brasília)