Presidente do Banco Central adverte sobre ajuste fiscal

Ajuste fiscal apenas pelo lado da receita leva a queda de investimento, menor crescimento e mais inflação, afirmou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, durante apresentação no fórum jurídico de Lisboa. Na avaliação do dirigente, nos países com dívida em relação ao PIB muito alta, a solução encontrada foi fazer um ajuste fiscal pelo lado de aumento de receita.

“Não é só o caso do Brasil, mas vários países têm um sistema [orçamentário] muito engessado, com muito gasto carimbado”, afirmou.

Ele enfatizou que suas explanações “não são particulares do Brasil, mas grande parte do mundo emergente”. Conforme o dirigente do BC, tem havido uma mudança em como a inflação está interagindo com o lado fiscal mais recentemente.

Conforme Campos Neto, estudos indicam que o ajuste fiscal só olhando o aumento de arrecadação traz consequências negativas. “Primeiro, o aumento de custo para a empresa geralmente é repassado para o preço. Segundo, alguns projetos de investimento se tornam inviáveis em função do baixo retorno. E, ao longo do processo, a receita obtida acaba sendo objeto de muita reinterpretação, que gera insegurança jurídica.”

O presidente do BC ponderou que, quando há um ajuste fiscal 100% pelo lado da receita, “a combinação desses fatores implica, no final das contas, menos investimento, menor crescimento e mais inflação.”

Campos Neto afirmou ainda que, depois da pandemia, muitos governos emergentes tiveram a tentação aceitar uma inflação um pouco mais alta como forma de ganhar espaço para gastar mais. “A pandemia mudou as relações estruturais na economia [no mundo]”, disse nesta sexta-feira.

“Quando a inflação aumenta, o governo tem aquela percepção inicial de melhor do resultado fiscal, porque as receitas do governo são indexadas à inflação”, comentou. O presidente do BC, porém, lembrou que “a inflação produz efeitos distributivos, contribuindo para o aumento da desigualdade”.

O presidente do BC citou os casos da Argentina e da Turquia, que enfrentam um cenário de inflação muito elevada, na casa dos três dígitos no caso do país sulamericano. “O problema quando os governos entendem que a inflação um pouco maior pode dar uma certa folga no fiscal, se olhar a arrecadação nominal, tem um risco de entrar em um ciclo vicioso”, afirmou.

Segundo Campos Neto, este cenário de inflação maior leva a desigualdade maior e “para contra-atacar isso, os governos fazem mais programas sociais”. Neste ponto, o país pode entrar em uma “espiral” de ter de ampliar esses benefícios “até o momento em que começa a ter um problema de não mais conseguir girar essa roda”.

Ele acrescentou que não só no Brasil, mas também em outros países, o corte de gastos públicos é muito “engessado”.

Segundo Campos Neto, o custo de crescimento das dívidas dos governos levam à redução de crescimento no médio prazo. “Vários trabalhos mostram que cada 10 pontos de piora na razão dívida/PIB estão associados a uma desaceleração de crescimento real em torno de 0,2 ponto ao ano”, exemplificou.

De acordo com o presidente do BC, outros estudos indicam que, em países com dívida acima de 60% do PIB, o estímulo fiscal, geralmente, tem efeitos negativos sobre o produto. Conforme o chefe da autoridade monetária, nessa situação, “como a dívida é alta, o governo está competindo por fundos com o setor privado”.

Ao mesmo tempo, com a queda de credibilidade do governo, os juros pedidos pela dívida aumentam. “Geralmente a gente vê isso na parte longa”, complementou. “À medida que o quadro se agrava, o governo passa a financiar mais no curto prazo. A gente viu recentemente em alguns episódios em que a inflação subiu muito, os juros se elevaram muito em vários países que perderam o mercado de longo prazo.”

Campos Neto lembrou que o nível de juros, principalmente a curva longa, tem forte correlação com o investimento. “Então o que acontece é que os investimentos caem”, afirmou. Neste cenário de queda de atração de recursos para a economia, os governos tentam compensar a situação com juros subsidiados. Quando o volume de intervenção aumenta muito, tira espaço do mercado de capitais, torna menos eficiente a alocação de capital na economia e acaba por reduzir produtividade.

Expectativas
Durante o evento, Campos Neto explicou que a importância do canal das expectativas, muitas vezes, não é bem compreendida. “É muito importante a expectativa na formação de preço e este canal se mostrou cada vez mais importante e cada vez mais presente nas economias modernas”, disse.

A desconfiança sobre as contas públicas leva a uma desancoragem das expectativas na parte longa de juros e na inflação. “É a partir das expectativas de inflação que as empresas e famílias tomam decisões de poupança e investimento e que os mercados definem um preço”, explicou. “Quando as expectativas de inflação esperada sobem, há um impacto sobre preços e sobre investimentos”, ponderou.

De acordo com o presidente do BC, no regime de metas de inflação, as expectativas inflacionárias são uma variável fundamental. O chefe da autoridade monetária ressaltou que a ancoragem dessas projeções “torna o ambiente econômico mais estável, previsível e atrativo para os investidores”.

“A ancoragem das expectativas é um elemento essencial para a convergência da inflação. Ajustes feitos pelo lado da receita geralmente são menos eficientes e resultam em mais inflação e menos crescimento.”

Matéria publicada pelo Valor Econômico no dia 28/06/2024, às 12h05 (horário de Brasília)