Projeções do FMI indicam estagnação da taxa de investimento brasileira nos próximos anos; país está entre as 10 piores do mundo
Depois de algum respiro nos últimos anos, sobretudo em 2021 e 2022, a taxa de investimento do Brasil a partir de 2024 deve se estabilizar em uma faixa entre 15% e 16% do PIB até 2029, levando o país de volta ao “top 20” das piores taxas entre cerca de 170 nações para as quais o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem estimativas.
Segundo o FMI, o Brasil deve fechar 2024 com uma taxa de investimento de 15,9% do PIB, a 20ª pior entre os países analisados. Em 2029, com uma taxa de 15,4%, o país seria o 19º pior, vindo da 18ª posição em 2028. É menos que as projeções do FMI para a América Latina (19,7%) e emergentes em geral (32,4%) em 2029.
No ano passado, com uma taxa de 16,1%, o Brasil era o 24º pior. Em 2021 e 2022, na esteira de recuperação da pandemia, as taxas foram de 19,5% e 18,1%, respectivamente, deixando o Brasil na 46ª e na 34ª piores posições, pela ordem. Desde 2010, a marca menos ruim do país foi o 72º lugar em 2011, com uma taxa de investimento de quase 22% do PIB.
Apenas 9% dos países analisados pelo FMI teriam uma Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, medida para os investimentos no PIB) no médio-longo prazo pior que a do Brasil, observa Francisco Pessoa Faria, economista sênior da LCA Consultores.
Economistas ponderam que uma taxa ao redor de 15% do PIB para o Brasil, como projetado pelo FMI, é bem baixa e perto das mínimas históricas, que rodavam em 14,5% em 2016 e 2017, na saída da recessão iniciada em 2014. Números entre 17% e 19%, dizem, parecem mais razoáveis.
Faria pondera também que os números globais têm sido distorcidos pela China. Nas projeções do FMI, a média das taxas de investimento para o mundo deste ano até 2029 é de 26,8%, mas cai para 23,5% sem considerar o gigante asiático, segundo Faria.
O mesmo vale para os emergentes, com a média passando de 32% para 26%. “A nossa comparação com o mundo é feia, mas não tão feia quanto parece, porque a China está distorcendo todos os dados”, diz Faria.
Ainda assim, supondo uma projeção de 18% por parte do FMI, o Brasil ficaria entre o grupo de 20% de países com menor taxa de investimento, segundo Faria. “Ficaria no último quintil, e não tem perspectiva de isso mudar”, afirma.
Existe “uma escada de problemas no Brasil que leva a investimento mais baixo e crescimento menor a longo prazo”, diz Felipe Camargo, economista sênior para mercados emergentes da consultoria Oxford Economics.
Sua projeção de médio-longo prazo para a taxa de investimento do Brasil gira entre 18% e 19% do PIB. Olhar para a média histórica ajuda nas estimativas, segundo ele, porque a taxa tende a verter para a média ao longo do tempo.
A média brasileira é de 18,9% do PIB, nas estimativas da Oxford. Entre 20 países emergentes analisados pela consultoria, essa média só é maior que a de Colômbia (17,9%), Argentina (17,9%), Egito (17,2%) e África do Sul (15,1%) e está atrás, por exemplo, de Índia (30%), Turquia (23,6%), México (22,2%), Peru (21,9%) e Chile (21,7%). E mesmo que, na média, o Brasil esteja à frente da Colômbia, até 2030 a Oxford projeta uma taxa de investimento de 21,2% para o vizinho, ante 18,7% para o Brasil.
A taxa de investimento é, segundo Camargo, reflexo da taxa de poupança do país, mas também da conta corrente (resultado das trocas comerciais, de serviços e de rendas entre residentes e não residentes no país). “Se a conta corrente é deficitária – e no Brasil e em vários emergentes ela é -, é como se adicionasse um pouco mais para o que o país tem de poupança interna para investir.”
O Brasil, no entanto, pega pouco dinheiro emprestado do resto do mundo, observa Camargo. “Quando não se poupa tanto domesticamente, é preciso consumir recursos de fora. Colômbia, Chile, Peru são países que também não poupam tanto e importam bem mais.”
Para Camargo, o Brasil poderia ter um déficit em conta corrente ligeiramente maior, que consumiria um pouco mais das reservas internacionais, mas ainda se manteria saudável. “As reservas brasileiras são muito elevadas”, afirma.
Apesar do bom volume de reservas, melhor até do que em alguns dos países citados por Camargo, o câmbio brasileiro é mais depreciado do que deveria, por causa, por exemplo, da situação fiscal e da nota de crédito (rating) piores do Brasil, diz o economista da Oxford. “Como consequência, importamos bem menos bens de capital. O Brasil não tem condições de produzir a tecnologia domesticamente, aí, fica para trás.”
Para Camargo, outro fator que ajuda a explicar a diferença de taxa de investimento entre os países é a carga tributária. “Muito do investimento que qualquer país faz vem das firmas. Se você taxa mais e é mais caro para as empresas operarem, elas têm uma margem menor e tendem a investir menos”, diz.
No Brasil, a relação de importação com investimento é mais fraca, observa. A “desconfiança” de Carmargo é que o país importa menos também porque o ICMS incide sobre o imposto de importação. “A base de cálculo do ICMS é péssima para quem compra navio, máquinas e equipamentos etc. de fora e traz para cá, porque além de pagar um imposto de importação
Embora a reforma tributária não altere a carga geral de impostos no Brasil, esse último ponto, diz Camargo, está mais bem endereçado. “A simplificação tributária que reduz imposto em cima de imposto, certamente, vai ajudar o Brasil a investir um pouco mais”, afirma. As empresas, diz, podem aumentar suas margens e ficar mais produtivas. “Elas ficam mais voltadas para a sua operação fim e podem comprar máquinas e equipamentos em vez de contratar um batalhão de pessoas para analisar nota fiscal.”
Sem um ajuste fiscal no gasto, no entanto, fica mais difícil cortar tributos, aponta o economista. “E esse é o equilíbrio atual. São necessárias medidas para amarrar políticas públicas que endereçassem essa necessidade ”, afirma.
Para Ernesto Revilla, economista-chefe para América Latina do Citi, as baixas taxas de investimentos que o Brasil tem registrado são “consequência da ‘ressaca’ da contração profunda” que o país viveu em 2015 e 2016.
“Depois, veio a pandemia e o Brasil sofreu com baixa demanda. Então, nos últimos oito anos, mais ou menos, o Brasil está em um círculo vicioso em que não há crescimento forte porque não tem investimento suficiente, mas não tem investimento suficiente porque não há crescimento forte”, afirma.
Quebrar esse círculo depende, segundo Revilla, de o Brasil continuar trabalhando dois pilares: fortalecer os fundamentos macroeconômicos, sobretudo fiscal, para dar confiança a investidores de longo prazo e criar uma narrativa de orientação de crescimento para o futuro, de modo que haja confiança nos setores de que eles serão capazes de recuperar os benefícios dos investimentos feitos.
“Esse é um grande problema na economia da América Latina. Toda vez que tem uma mudança de governo, há uma mudança nas políticas, e incerteza é uma das coisas de que investidores de longo prazo não gostam”, afirma.
Já a sustentabilidade fiscal é condição para desenvolvimento forte e sustentável – ainda que só isso não seja suficiente, pondera Revilla. “O temor é que uma trajetória crescente da dívida puxe as taxas de juros, e juro alto é inimigo de investimentos”, diz, acrescentando que “regras do jogo” estáveis e bom ambiente regulatório também são necessários.
Na avaliação de Revilla, o Brasil ainda tem um dos maiores potenciais entre países da região e emergentes para atrair investimentos no médio-longo prazo.
“O Brasil tem uma economia diversificada, o que ajuda muito nesse novo ambiente global mais complexo, em que as cadeias de suprimento estão se reconfigurando”, afirma. “O México, por exemplo, também está muito bem posicionado geograficamente, mas, infelizmente, agora há incerteza crescente depois das eleições lá.”
Menos otimista, Faria, da LCA – que conduziu um estudo publicado no Valor comparando a taxa de investimento do Brasil com países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) – diz que a nossa maior diferença está em construção e nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. “E não parece que haja nada muito diferente que permita a gente avançar muito nesses dois setores nos próximos anos.”
Além das taxas de juros, que devem continuar elevadas, segundo Faria, o governo tem pouca capacidade de atuação.
“Olhando para países da OCDE e separando investimento de governo e de não governo – empresas, inclusive aquelas não dependentes, como Petrobras, e famílias -, claramente a participação do governo no PIB piorou muito nos últimos anos. É muito difícil chegar em uma taxa de investimento perto da de outros países sem uma recuperação da capacidade de investimento do Estado”, afirma.
O problema, diz Faria, é que também “não há nenhum sinal de que isso vá acontecer”. Todas as projeções indicam que a dívida do país em relação ao PIB vai continuar crescendo, observa. “A sociedade definiu que vai ter uma assistência social grande – e isso é bom, não é necessariamente ruim -, mas de onde vai sobrar dinheiro para o governo investir mais? Não vai, principalmente em um país em que todo mundo quer mais gasto, mas ninguém quer pagar. Não vai fechar a conta”, afirma.
Faria também diz que há perda de incentivos (“enforcement”) para execução mais adequada dos gastos; “grandes distorções” como no salário do Judiciário e nas aposentadorias de militares; baixa perspectiva de melhora na produtividade da mão de obra, inclusive pelos efeitos que a covid-19 terá na formação desses futuros trabalhadores, e possibilidade limitada de o país realizar muito mais Parcerias Público-Privadas (PPPs).
“Meu cenário de hoje para o Brasil é que, se mantiver como é, está até bom, porque o crescimento vai ser baixo, não tem perspectiva”, afirma.
Matéria publicada pelo Valor Econômico no dia 23/07/2024, às 05h00 (horário de Brasília)