Tarifas dos EUA sobre a Índia acendem alerta para o mercado brasileiro de combustíveis

A mais recente decisão do governo norte-americano de elevar para 50% as tarifas sobre produtos indianos, como retaliação à compra de petróleo russo, escalona as preocupações de agentes do mercado de combustíveis no Brasil.

O episódio mostra que os Estados Unidos estão dispostos a aplicar sanções comerciais unilaterais mesmo contra parceiros estratégicos, o que projeta uma sombra incômoda sobre países que seguem mantendo relações energéticas com a Rússia.

A Índia e o petróleo russo

A Índia, apesar das sanções ocidentais e do isolamento imposto ao petróleo bruto russo por parte da Europa e dos Estados Unidos, manteve-se como uma das principais compradoras desse insumo energético desde o início da guerra na Ucrânia.

Essa estratégia garantiu à Índia vantagens comerciais, como acesso a petróleo com descontos significativos, mas agora passa a ter um custo diplomático.

O aumento tarifário imposto por Washington, uma taxa adicional de 25%, totalizando 50%, veio acompanhado de uma declaração contundente de Trump:

“O governo da Índia está atualmente importando direta ou indiretamente petróleo da Federação Russa”.

A afirmação, evidencia que o petróleo russo se transformou em um divisor de águas na diplomacia energética global.

Nesta quarta-feira (06/08), o governo americano publicou uma Ordem Executiva que estabeleceu as tarifas à Índia. De acordo com o documento, os EUA “irão determinar se algum outro país está importando direta ou indiretamente petróleo russo” e que, se estiver, “decidirão se devem ou não impor tarifas”.

O sinal de alerta para o Brasil

Embora o Brasil não importe petróleo bruto da Rússia, como faz a Índia, o país se tornou um grande comprador de óleo diesel, produto derivado do petróleo.

Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), o Brasil importa cerca de 1,3 bilhão de litros de diesel por mês, sendo que cerca de dois terços, aproximadamente 760 milhões de litros, têm origem russa.

Origem das importações brasileiras de óleo diesel A em 2025

Dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) e da MDIC (disponibilizados até junho/2025)

Essa dependência cria um risco estratégico: se os EUA puniram a Índia, que possui uma relação sólida e estável com Washington, o que poderia acontecer com o Brasil, que atualmente enfrenta uma grave escalada nas tensões diplomáticas com os norte-americanos?

O histórico entre Brasil e Estados Unidos recente reforça ainda mais essa preocupação.

Em 09 de julho, Trump anunciou tarifas de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil com base em motivações político-ideológicas, aparentemente sobrepondo os objetivos comerciais.

Na ocasião, o presidente norte-americano alegou que o ex-presidente Jair Bolsonaro estava sendo alvo de uma “perseguição política” no Brasil, narrativa citada diretamente no texto do decreto tarifário.

Recentemente, a tensão aumentou ainda mais após o ministro Alexandre de Moraes, já criticado por Trump e sancionado pela lei Magnitsky, decretar prisão domiciliar para Bolsonaro, acirrando o atrito diplomático entre os dois países.

A lógica é clara: se nem a Índia foi poupada, com seu histórico de boa relação com os EUA, é plausível supor que o Brasil possa estar ainda mais vulnerável a medidas semelhantes.

Por que o Brasil importa diesel russo?

A resposta passa por uma combinação de fatores logísticos, econômicos e estruturais.

O Brasil ainda não é autossuficiente na produção de diesel e importa 27% do óleo diesel para atender toda a sua demanda interna, especialmente no abastecimento complementar das regiões Norte, Nordeste, e na região Sudeste, pelos prêmios (descontos) atrativos que o diesel russo oferece para o mercado.

Essa competitividade de preços facilita a implementação da atual política de preços da Petrobras, baseada no “abrasileiramento” dos valores dos combustíveis, especialmente em momentos de estresse no mercado, evitando repasses das altas dos preços dos combustíveis no mercado internacional para as bombas brasileiras.

A substituição do diesel de origem russa pelo diesel de outros mercados, como os Estados Unidos ou Oriente Médio, acarretaria custos mais altos, seja pela cotação do combustível em si, seja pela logística envolvida.

Consequências iminentes

A tensão já é sentida no presente.

Distribuidoras de combustível no Brasil começaram a reajustar seus preços, em parte pelo risco de que o fornecimento russo seja interrompido.

A preocupação não é infundada: o Brasil pode encontrar dificuldades para promover uma virada de chave de fornecimento, abrindo espaço para um cenário de restrições pontuais de abastecimento, especialmente nas regiões que mais dependem das importações.

Além disso, o receio de novas tarifas por parte dos EUA pode gerar uma desvalorização cambial no curto prazo, como ocorreu após o anúncio das tarifas em julho.

Esse efeito, por si só, já seria suficiente para pressionar os preços internos do diesel, mesmo sem alterações diretas no fornecimento.

Risco sazonal

Além disso, o risco de desabastecimento se agrava com a sazonalidade do setor agrícola: entre agosto e novembro, o país enfrenta um aumento expressivo na demanda por diesel, impulsionado pelo início do plantio da soja e do milho da 1ª safra.

Nesse período, o uso intensivo de máquinas para preparo do solo, semeadura e adubação eleva significativamente o consumo nas regiões agrícolas do Centro-Oeste, Sul e partes do Sudeste.

A coincidência entre esse pico de consumo e o cenário geopolítico conturbado amplia o risco de pressão sobre os preços e eventuais dificuldades logísticas de abastecimento.

Consumo de óleo diesel B 2025 vs. média 2021-2024

Dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP).

O mercado deve ficar atento

O episódio envolvendo Índia e EUA não é isolado. Ele faz parte de uma estratégia mais ampla dos norte-americanos de usar o comércio internacional como instrumento de pressão geopolítica, especialmente no setor energético.

A dependência brasileira do diesel russo, somada ao atual ambiente diplomático fragilizado entre Brasília e Washington, amplia os riscos comerciais e ameaça a segurança energética do país.

Os reflexos desse cenário já são visíveis no mercado atual, e a possibilidade de agravamento torna indispensável que importadores, distribuidores e consumidores estejam atentos a qualquer movimentação futura no xadrez geopolítico internacional.

Matéria de autoria da equipe de comunicação da Raion Consultoria