Um ano de fim do PPI: Pressões e desafios para a Petrobras
O anúncio do fim da política de paridade internacional (PPI) para os preços do diesel e da gasolina da Petrobras completou um ano em maio, com benefícios limitados ao consumidor e em um cenário de insatisfação, sobretudo dos produtores de biocombustíveis e importadores.
Há sete meses sem alterar os preços da gasolina e cinco meses sem mudanças no diesel, a pressão por reajustes está alta. É um desafio imediato da nova CEO da estatal, Magda Chambriard, que assumiu o comando da empresa esta semana.
A tendência de aumento nos preços internacionais nos próximos meses piora o quadro. Internamente, a pressão vem sobretudo dos produtores de biocombustíveis. O etanol hidratado compete com a gasolina nas bombas, então tende a perder competitividade na decisão do consumidor.
Ao passo que a dinâmica do mercado limita o poder da Petrobras de influenciar os preços nas bombas.
Pressão do setor de etanol
O presidente do conselho de administração da Cosan e da Raízen, Rubens Ometto, cobrou publicamente o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sobre o cumprimento da política de preços.
“Só para lembrar, [e] não querendo ser chato, é muito importante a política de preço [da Petrobras], porque o etanol no Brasil está com o preço diretamente ligado ao preço da gasolina. É claro que a gente se preocupa com a inflação, mas é muito importante não matar as outras alternativas de combustível”, disse o empresário.
Ambos participaram, com Lula, da cerimônia de inauguração da segunda usina de etanol de segunda geração da Raízen em Guariba (SP) na sexta-feira (24/5). O presidente
“Essa defasagem impacta de uma forma muito direta a capacidade de precificação do etanol”, disse o vice-presidente da Trading da Raízen, Paulo Côrte-Real, a jornalistas no mesmo evento.
Em diversas ocasiões nas últimas semanas representantes do setor cobraram do governo uma posição.
O presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), Evandro Gussi, afirmou à epbr que garantir a competitividade adequada para os biocombustíveis é um sinal de respeito da Petrobras ao mercado.
“Do ponto de vista ambiental, subsidiar um combustível fóssil transformaria o Brasil num pária global. E, sob o ponto de vista social, o etanol está diluído no Brasil inteiro. Então, a gente tem confiança absoluta de que a Petrobras vai respeitar o mercado”, afirmou.
Questionado, o MME lembrou que no Brasil vigora o regime de livre precificação dos combustíveis e que não há qualquer interferência do governo na estratégia comercial dos agentes.
A pasta afirmou ainda que os biocombustíveis já têm um diferencial competitivo em relação aos combustíveis fósseis por causa da emenda constitucional publicada em 2022 que garantiu uma alíquota tributária favorável ao etanol.
De acordo com o levantamento de preços para a semana de 19 a 25 de maio de 2024, publicado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a paridade de preços entre etanol hidratado e gasolina C esteve abaixo de 70% em nove Estados e no Distrito Federal, incluindo São Paulo (65,2%), Paraná (65,7%) e Minas Gerais (68,1%).
Petrobras perdeu influência nos preços nas bombas
Mesmo sem os reajustes, os preços dos combustíveis estão contribuindo para o aumento da inflação. Desde fevereiro, os cálculos do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apontam altas nos preços da gasolina. No diesel, houve recuo em março, mas retomada da alta em abril.
Na Petrobras, Chambriard já assume o cargo com o tema dos preços premente, por causa do longo período sem atualizações nas cotações.
O reajuste mais recente da gasolina ocorreu em 19 de outubro de 2023, com uma redução de 4% no preço médio. Desde então, o litro da gasolina é vendido às distribuidoras nas refinarias em média a R$ 2,81.
Antes de Jean Paul Prates assumir de fato a Petrobras, em janeiro de 2023, a companhia descongelou os preços da gasolina, passando a cobrar R$ 3,31 (R$ 3,53 corrigidos pelo IPCA).
No caso do diesel, a última alteração no preço foi em 8 de dezembro, quando houve um corte de 6,66% e o combustível passou a ser vendido nas refinarias a R$ 3,78 por litro em média. Em janeiro do ano passado, estava em R$ 4,50 (ou R$ 4,79 corrigidos).
São cortes nominais, entregues pela gestão de Prates, de 15% e 16% nos preços da gasolina e diesel – 20% e 26%, se corrigidos pela inflação oficial do país.
Concorrendo com importados e refinarias privadas, em razão dos preços dos biocombustíveis misturados, além das margens de distribuidoras e postos, a Petrobras segue dominante, mas tem uma influência menor nos preços das bombas do que nas gestões petistas do passado.
Do ponto de vista da receita, o sacrifício nos preços têm seu efeito mitigado no bolso do consumidor e no cômputo da inflação oficial do país. Gasolina e diesel acumulavam alta de 6,43% e 1,35% em 12 meses na atualização do IPCA em abril.
O que mudou no PPI?
A atual política de preços da Petrobras foi anunciada em 12 de maio de 2023, com o objetivo de cumprir a promessa do presidente Lula em seu terceiro mandato de “abrasileirar” os preços dos combustíveis.
Até então, a estatal levava em conta na definição dos preços as cotações internacionais e o câmbio. Com a mudança, a companhia afirmou que passaram a ser consideradas outras variáveis, como as alternativas para o suprimento e o valor marginal da petroleira ao definir os preços.
O objetivo da empresa é ganhar espaço frente aos concorrentes e “ser sempre a melhor alternativa para o consumidor”, conforme afirmaram nos últimos meses representantes da estatal.
Nos primeiros meses, a política foi favorecida pela redução das cotações do barril no mercado internacional.
Rússia concorre com diesel nacional
Por outro lado, desde o ano passado, a Petrobras ganhou um novo concorrente no mercado interno, o diesel importado da Rússia. Com as sanções europeias e americanas ao produto russo no mercado internacional por causa da invasão à Ucrânia, as importações conseguiram ganhar espaço no Brasil.
Um estudo da Leggio Consultoria apontou que, na prática, houve pouca mudança na precificação da Petrobras em 2023 em relação ao ano de 2022. No último ano da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro a estatal também passou longos períodos sem reajustes e teve duas trocas na presidência, o que resultou em leituras de que a empresa estaria segurando os preços para favorecer a tentativa de reeleição, que não se concretizou.
Segundo a Leggio, no ano passado a Petrobras continuou a seguir os preços internacionais, mas com um atraso de cerca de um mês para repassar os aumentos. Quando ocorrem quedas nos preços internacionais, as reduções são transferidas aos preços internos com maior rapidez.
“Não houve uma mudança entre os anos de 2022 e 2023. A prática de defasar os aumentos e não defasar as reduções em 2023 foi a mesma que foi feita em 2022. É diferente em relação a 2021, quando ainda se dizia claramente que a política de preços era a internacional”, explica o sócio da Leggio, Marcus D’Elia.
Nos cálculos da consultoria, a tendência da companhia foi de manter os preços do diesel entre 4,1% e 6,1% abaixo da paridade. Para a gasolina, a defasagem mantida ao longo do período foi de 2,35% e 4,5%. Além de evitar a volatilidade, o objetivo de manter os preços nacionais mais baixos também é competir com os importadores e garantir o mercado para escoar os produtos, avalia D’Elia.
É importante ressaltar que o mês de maio marca também seis anos da deflagração da crise da greve dos caminhoneiros, no governo Michel Temer. Na época, desagradaram a categoria as atualizações frequentes na cotação para seguir o PPI, em reajustes quase diários quando a estatal era comandada por Pedro Parente.
Aqueles a favor da alteração na precificação anunciada em 2023 elogiam justamente essa mitigação do repasse da volatilidade ao mercado interno.
Para o diretor técnico do Instituto Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Mahatma dos Santos, a atual precificação “contribuiu para a redução dos preços médios dos derivados no parque de refino da estatal, mitigou a exposição do mercado nacional a choques externos e garantiu resultados financeiros robustos para a companhia”.
Magda Chambriard disse que vai manter ‘abrasileiramento’
Na primeira coletiva de imprensa após assumir o cargo, a nova presidente da Petrobras indicou que vai continuar seguindo a atual política de precificação. Chambriard fez parte do grupo de transição de governo, que debateu as alterações que poderiam ser feitas no governo Lula em relação à política anterior.
“Esse ‘abrasileiramento’ do preço dos combustíveis foi feito. Nós vamos seguir fazendo isso. Isso daí é uma heresia? Não. Está absolutamente dentro da lógica empresarial que pretende não apenas vender seu produto, mas garantir market share”, disse.
“É o preço de um produto que segue uma lógica empresarial e de uma companhia que não quer perder mercado. Então está tudo isso na mesma cesta e nós vamos persistir nessa direção”, acrescentou.
Apesar de receios de que a estatal venha a ter menores ganhos, o mercado financeiro também vê como positivo o fato de que a própria governança da companhia dificulta mudanças significativas na alocação de capital e na política de preços para os combustíveis por parte da nova diretoria. Na prática, a visão é de que a atual política é melhor do que aquela que levou a estatal a ter prejuízos para impedir o aumento dos preços no governo Dilma Rousseff.
Queda nas vendas de combustíveis em 2024
No primeiro trimestre de 2024, as vendas de diesel da Petrobras no mercado interno caíram 3,4% na comparação com igual período no ano anterior. Na gasolina, houve redução de 6,8%.
A receita de vendas no segmento de refino, transporte e comercialização teve queda de 10,7%. Os preços de derivados, em dólar por barril, caíram 12,2% em um ano.
No balanço, a estatal atribuiu a piora nos resultados à variação sazonal na venda de derivados e à concorrência, em uma comparação com o quarto trimestre do ano passado. Não houve menção, no anúncio dos resultados, à defasagem com o preço internacional.
“Tivemos alguns fatores além da sazonalidade que impactaram as vendas. Por exemplo, uma maior safra de etanol, pressionando a gasolina. No caso do diesel, tivemos pressão do aumento do mandato do biodiesel e alguma pressão do diesel russo”, disse o ex-CFO da estatal, Sérgio Caetano, que foi demitido da empresa junto com o ex-CEO Jean Paul Prates.
É importante ressaltar que o aumento da mistura de biodiesel ao diesel para 14% entrou em vigor apenas em março.
Matéria publicada pelo EPBR no dia 31/05/2024, às 22h00 (horário de Brasília)